segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Se Numa Noite de Inverno Um Viajante - Italo Calvino

"Se Numa Noite de Inverno Um Viajante" é um romance inteligente. Mas também divertido, original, único. Lê-se com leveza e um sorriso nos lábios. Sentimos o bafo do autor a pedir-nos opinião, a recitar-nos histórias que só começam, pedindo-nos que as continue. Dez histórias que Calvino só inicia, como se nos quisesse desafiar. Ao longo do livro, o que mais encanta o leitor é este diálogo permanente com o escritor, esta familiaridade que vai surgindo. O leitor vai-se tornando interlocutor e actor do próprio enredo, numa espécie de brincadeira que dá um aspecto marcadamente lúdico à leitura.
O enredo é muito peculiar. Um leitor começa a ler o próprio livro de Italo Calvino, mas não consegue porque a edição é defeituosa. E por acasos do enredo, o leitor é levado a empreender outras leituras mas depara sempre com um qualquer obstáculo que o leva de livro em livro sem conseguir concluir nenhum deles.
Ao longo do livro é notória a crítica à mercantilização da cultura, nomeadamente no domínio da edição de livros e da falsificação. Calvino entra mesmo numa reflexão sobre os apócrifos, encarando a falsificação como manifestação da verdadeira natureza humana e da sua hipocrisia. Por outro lado, aquilo que é falso não deixa de ser encantador; a falsidade é o contraponto da verdade e assim lhe dá sentido. Mas vai muito além disso: a impotência que o leitor sente por não poder terminar a leitura de cada um dos dez livros é acompanhada, frequentemente, pela angústia do próprio escritor, quando não consegue, ele próprio, terminar a obra. Nesse aspecto, este romance sente-se também como um desabafo e, mais uma vez vem ao de cima a cumplicidade entre autor e leitor.
Para o leitor, o envolvimento na leitura permite-lhe entrar num mundo encantado. A leitura altera toda a dimensão da vida do leitor. Enquanto lê, ultrapassa todas as barreiras. E quando a leitura é interrompida, instala-se a angústia e o espírito fervilha em busca de uma continuação. Porque o livro só termina com a morte ou com a persistência da vida. Livros que não terminam são apenas pedaços de vida que não têm princípio nem fim; são mundos sujeitos a múltiplos olhares. Dez livros não são, no entanto, apenas dez mundos. São dez mundos a multiplicar por todos os Leitores e Leitoras.