quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

TOP 25 - As melhores leituras de 2010

1º. Guerra e Paz - Lev Tolstoi

2º. O Grande Gatsby - Scott Fitzgerald

3º. Ana Karenina - Lev Tolstoi

4º. O Físico - Noah Gordon

5º. Silêncio - Shusaku Endo

6º. Kafka à Beira-Mar - Haruki Murakami

7º. Werther – Goethe

8º. Olhai os Lírios do Campo - Erico Veríssimo

9º. A Terceira Rosa - Manuel Alegre

10º. O Outono em Pequim - Boris Vian

11º. Livro – José Luís Peixoto

12º. Susnset Park – Paul Auster

13º. Jonathan Srange & o Sr. Norrell - Susanna Clarke

14º. O Templo Dourado - Yukio Mishima

15º. Da Mão para a Boca - Paul Auster

16º. A Máquina de Fazer Espanhóis - valter hugo mãe

17º. As Velas Ardem Até ao Fim – Sandor Marai

18º. As Fogueiras da Inquisição – Ana Cristina Silva

19º. A História Secreta – Donna Tartt

20º. Uma Casa na Escuridão - José Luís Peixoto

21º As Pontes de Madison County - Robert James Waller

22º A História de uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar – Luís Sepúlveda

22º Palácio da Lua - Paul Auster

23º Cão Como Nós - Manuel Alegre

24º Barroco Tropical - José Eduardo Agualusa

25º Sputnik, Meu Amor - Haruki Murakami

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Livros que me marcaram em 2010

Como estou de férias deu-me para fazer este exercício: escolher de entre os livros lidos em 2010 (99 até ao momento) os que mais me marcaram, por diversos motivos. Assim:

O mais divertido – Flashman, a Odisseia de um Cobarde – George MacDonald Fraser
Lê-se gargalhando :)

O mais triste – Uma Casa na Escuridão - José Luís Peixoto
Triste é dizer pouco. Negro. Belíssimo.

O mais revoltante – O Rapaz do Pijama às Riscas - John Boyne
Uma pequena obra-prima. Está ali toda a maldade humana.

O mais original – O Outono em Pequim - Boris Vian
Um livro inimitável; uma imensa fábula.

O mais sonhador – As Pontes de Madison County - Robert James Waller
Lê-se sonhando.

O mais delirante – Kafka à Beira-Mar - Haruki Murakami
Genial na mistura do misticismo oriental com um intenso optimismo.

O mais difícil – As Cidades Invisíveis - Italo Calvino
Um desafio tremendo. A beleza descobre-se devagarinho, por entre uma linguagem quase codificada.

A decepção – Sensibilidade e Bom Senso - Jane Austen
Que coisa mais chata!

O pior – O Toque da Morte - Stephen Booth
CSI rural.

A revelação – Loucura Azul – Paulo Alexandre e Castro e Jonathan Srange & o Sr. Norrell - Susanna Clarke
Um génio português nascente e um super-policial com muita magia celtica. Lindo!

A confirmação – Livro – José Luís Peixoto
"O" génio.

O mais profundo - A Condição Humana - André Malraux
Para ler, pensar, repensar, reler e recomeçar o ciclo.

A obra-prima (o melhor do ano) – Guerra e Paz - Lev Tolstoi
Impossivel fazer melhor.
Em bereve colocarei aqui o meu top-20.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Sunset Park - Paul Auster

Nova Iorque, 2008/2009. Vive-se o colapso económico da América pós-Bush. Numa casa abandonada vivem 4 jovens à procura de um futuro, mergulhados na angústia de um presente sombrio. Bing, Ellen, Miles e Alice, quatro vidas à procura de sentido.
Após cerca de 20 livros publicados, as personagens de Auster continuam a viajar pela vida à procura de uma identidade, de um sentido. Talvez a vida seja mesmo isso, uma procura incessante de algo. Não de um amor, de uma fortuna ou de um projecto. Apenas algo. Algo de indefinido a que se pode chamar um sentido, uma explicação ou uma identidade.
Neste seu mais recente romance, Auster apresenta-se perigosamente à beira da descrença. O seu cepticismo, a sua crítica mordaz à sociedade norte-americana, começam a dar lugar, nas suas últimas obras, à angústia, ao lamento profundo e ao pessimismo. Por toda a obra há um tom pessimista perante a vida; um Auster mais filosófico mas nitidamente mais triste
Mesmo as personagens mais bem sucedidas na vida, como Mary-Lee, não são felizes; há sempre uma insatisfação, uma procura frequentemente frustrante de algo. Uma fuga. Fuga que Ellen encontra no corpo e na pintura; Bing nas coisas velhas; Alice no cinema.
Bing Nathan procura consertar o presente ressuscitando o passado, no seu hospital das coisas velhas. Alan e Jake personificam um amor que conduz ao tédio no qual se dilui: o amor não dá felicidade quando não há desafios; quando não há esperança. Apenas rotina e sobrevivência. O drama da rotina, da vida gasta no trivial. É por isso que as personagens de Auster vivem inquietas. Como o autor.
Ellen é a imagem da solidão; o amor que não existe até surgir a esperança. A sexualidade reprimida. Não há futuro.
Miles é personagem principal que viveu o drama e a culpa de um trágico acidente do seu meio-irmão. É por isso que a vida dele é uma fuga. Uma fuga ao passado e ao presente, onde só Pilar representa a esperança que é a força da vida. Para trás terá de ficar essa velha e maior inimiga da vida: a culpa.
Morris, pai de Miles, proprietário de uma grande editora à beira da falência: o lamento por uma sociedade que não lê, uma sociedade que cultiva a ignorância.
Bing Nathan, personagem aparentemente feliz na sua vida “marginal”, mesmo sem nunca perder o seu peculiar bom humor e a sua força de espírito, o seu gosto pela vida, cria a sua própria insatisfação através de um sentimento perturbador: quando tudo o resto corre bem, o coração encarrega-se de procurar a infelicidade.
No entanto, a Beleza também existe em Sunset Park: a solidariedade entre os habitantes de Sunset Park; a tremenda lição de amizade que aí se vive. E a força que vem de dentro de quem nada tem: “eu tornei-me viciado na luta” (Miles).

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

NATAL FELIZ, com música :)

Amigos, tal como no ano passado venho desejar-vos Boas Festas com aquela que é, para mim, a melhor música de Natal de todos os tempos.
Com um cheirinho de alma celta, um delicioso perfume punk e duas vozes fantásticas, meus senhores e minhas senhoras, meninos e meninas... os fabulosos POGUES:

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O Templo da Glória Literária - Miguel Almeida

Partindo de mim para além, de lá para a mim retornar sempre.

É assim a poesia, uma viagem do interior para além de limites imagináveis.
Porque nada é póstumo, os Imortais vivem e escrevem neste livro de M. Almeida, transportados pela voz da sua caneta.
No entanto, não são os poetas Imortais que falam pela voz de M. Almeida; é M. Almeida que se faz ouvir (por vezes gritando outras gemendo ou ainda sussurrando) na escrita do poeta de hoje.
É a voz viva do poeta vivo, vivo como os Imortais que se ouvem também eles. Homero em uníssono com Sophia, Solon de mãos dadas com Cesariny.
Vivos, todos vivos.
Mortos são alguns que vivem e não cantam nestas trovas.
E é com os Imortais que M. Almeida vive porque se faz ouvir neste livro.
Ler este livro é expor corpo e alma ao contágio. Sim, a poesia é contagiosa: dos Imortais para M. Almeida; de M. Almeida para quem lê.
É um contágio que liberta porque poesia é liberdade.
A poesia é a “dor do deus” (pg. 84)…

Este é o primeiro livro de poesia que coloco neste blogue. Se exceptuarmos alguns poemas de Fernando Pessoa, posso dizer que não gosto de poesia. Nunca gostei. Mas adorei este livro, que é um livro de poesia. Porquê? Não sei… talvez porque a poesia de M. Almeida me tenha dado este prazer imenso de viajar pelos Imortais mas também pelas palavras e pelos sons.
Sim, os sons; as letras de M. Almeida soam por vezes como música. Como disse Fernando Pessoa, citado neste livro: “a poesia é uma música que se faz com ideias e por isso com palavras”.
De resto, fica a liberdade.
Almeida escreve como quem voa.
As palavras viajam e as nossas ideias sobrevoam a alma de quem escreve.
Passeiam pela sabedoria da Grécia antiga, num tributo (que nunca pagaremos totalmente) aos clássicos.
Uma sabedoria que em excesso já não é sabedoria; é talvez prazer ou poesia.
Com os Imortais vivemos ao longo das páginas.
Com exaustão; a vida “esmurrando o amor” (pg. 51).
O amor… o delírio dos poetas… mas muito acima disso há a vida!
E a poesia de M. Almeida é, acima de tudo, uma poesia viva.
Livre.

(Também publicado no blogue Destante)

domingo, 19 de dezembro de 2010

As Velas Ardem até ao Fim - Sándor Márai

Este é um livro triste mas profundamente poético. Um verdadeiro tratado sobre a amizade, como afirmou Inês Pedrosa. A prosa de Márai é construída sobre um discurso tranquilo, melódico, profundo. Se dúvida uma escrita sentida e sofrida.
Durante a segunda guerra mundial, num velho castelo da Hungria, um antigo general de 73 anos, Henrik, espera Konrad para com ele ter uma última conversa. Konrad havia sido mais que o seu melhor amigo. Tinha sido um autêntico irmão até ao momento em que, 41 anos antes, algo dramático os separou. Um grande e terrível segredo ia agora ser enfrentado pelos dois. Todo o valor da sua intensa amizade e todo o significado do intenso amor por Krisztina seriam agora sopesados nesta derradeira batalha que os dois enfrentarão.
A tragédia de Henrik levara-o ao imobilismo; uma inacção que é uma espécie de morte em vida. Essa espera, esse nada-fazer, essa morte voluntária, talvez seja a tragédia maior para o ser humano. É uma recusa total da vida, como se depois da tragédia nada mais valesse a pena. Talvez a razão maior da infelicidade humana seja esta incapacidade em prosseguir os caminhos da vida quando não se consegue compreender e aceitar aquilo a que, comodamente, chamamos destino; esta incapacidade para encarar o presente, sem deixarmos que ele se sobreponha aos desaires do passado. E depois fica a procura da culpa; a busca tão inútil quanto irresistível da culpa. E é a vida que fica, inexoravelmente, para trás.
Henrik interrompeu a sua vida aos 32 anos e esperou mais 41 para terminar esse julgamento; e, no final, não culpou Konrad nem Krisztina; culpou o destino. 41 anos depois, Henrik procura apenas lavar a verdade com palavras; com a catarse da memória. Perante Konrad, resta-lhe enfrentar a memória. Mas nada apagará 41 anos de solidão, que é uma espécie de morte.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A Papisa Joana - Donna Woolfolk Cross

Lenda ou verdade histórica? Ninguém pode dar uma resposta definitiva mas há indícios claros de que, realmente, uma mulher tenha chegado ao trono de S. Pedro, no século IX. Donna Cross explora primorosamente esses indícios para construir um magnífico romance histórico. Conta-se a aventura de Joana, uma menina nascida e criada na actual Alemanha, numa região martirizada pelas invasões estrangeiras, nomeadamente os normandos (vikings) os saxões e os francos. Na altura o império franco, liderado pelo grande Carlos Magno era a maior potência da época e tentava dominar a Europa em nome da fé cristão.
O pai de Joana, padre casado como era vulgar na época (o celibato só se tornou obrigatório no séc. XVI) era um homem terrivelmente severo. Joana sofreu as consequências desse fanatismo e toda a sua vida será marcada por uma luta incessante pela justiça e pelo verdadeiro espírito cristão.
Na verdade, a religiosidade medieval era envolvida num verdadeiro obscurantismo e pejada de preconceitos por vezes cruéis, como a recusa de quaisquer direitos à mulher, transformando a sua vida num verdadeiro martírio como serviçal dos homens, por se considerar desprovida de inteligência.
O modelo de vida propagado pela Igreja Católica era bem claro nesta máxima do teólogo Alcuíno: “a vida é alegria dos bem-aventurados, o desgosto dos infelizes e uma busca da morte”. A miséria e a infelicidade do povo eram vistas, portanto, como algo de natural. Os ténues raios de luz que se enunciam sob a forma de conhecimentos “científicos” são reprimidos. A razão é considerada inimiga da fé porque leva os homens a questionar. E questionar é mau; é perigoso para a estabilidade do modelo social e político vigente, assente na desigualdade. Joana tinha pela frente um desafio enorme: questionar a tradição, questionar os dogmas, nomeadamente aquele que considerava as mulheres inferiores e impuras.
Joana pode até ser uma figura apenas lendária. Mas é um símbolo de milhões de mulheres e de homens que lutaram contra o obscurantismo. Esta luta é bem patente na frase que Joana formula no seu pensamento quando é impedida pelo terrível Odo, o professor de ter acesso aos livros: “Vá, põe grades na tua biblioteca. Não podes pôr grades no meu pensamento.”
Em conclusão: trata-se de um romance histórico de grande qualidade literária, talvez apenas superado pelo Físico de Noah Gordon e pelo insuperável O Nome da Rosa, de Umberto Eco.
Acima de tudo, é um hino ao conhecimento e um merecido tributo ao papel da mulher na história da humanidade, tantas vezes esquecido em nome de preconceitos que ainda hoje subsistem. Para nossa vergonha!

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Era Bom Que Trocássemos Umas Ideias sobre o Assunto - Mário de Carvalho

Dois desiludidos da Revolução: Jorge, o intelectual decepcionado, escritor mas apenas professor e Joel, apenas funcionário, anónimo da classe média, desiludido com tudo. Um homem que se defende da vida escondendo a esperança.
A uni-los, além da desilusão, a mentira envergonhada de uma filha, a de Jorge, missionária e um filho, o de Joel, preso por tráfico de droga. Destinos semelhantes, afinal. Alienados, na visão dos pais.
Grande parte da genialidade deste romance reside no facto de Mário de Carvalho expor de forma bem-humorada uma visão extremamente pessimista da realidade: o saber é desprezado em benefício da imagem, as ideologias são submetidas às conveniências, aos interesses pessoais, o mérito é substituído pelo arrivismo oportunista. Exemplo maior deste profundo lamento é a crítica irónica mas mordaz ao Partido Comunista (o livro foi publicado em 1995) onde o ingénuo Joel quer inscrever-se mas depara com os maiores obstáculos, devido ao elitismo ideológico e à sua fiel guarda-costas, a burocracia.
Mário de Carvalho é um escritor único. Ainda por explicar está o facto de não ser normalmente incluído entre os grandes nomes da literatura portuguesa contemporânea. Talvez porque Mário de Carvalho não gostasse de vir a ser homem de Panteões; talvez porque nunca tivesse desejado ser escritor de guiões de telenovelas disfarçados de romances de 500 páginas; talvez porque os nossos sorumbáticos, sisudos, sonolentos e cinzentos críticos literários não gostem de quem sorri escrevendo. Talvez os nossos Torquemadas da literatura não apreciem o riso. Afinal de contas esse é uma das grandes marcas da nossa História: o riso é a antecâmara do pecado. É sempre preferível a serenidade, a paz do estar bem com todos.
Mário de Carvalho é talvez o melhor escritor português contemporâneo no domínio da ironia e da crítica social e política. Muito do pior que há em nós está nos seus livros: um clericalismo pacóvio retratado aqui, por exemplo, pelo bispo de Gundemil que mordeu um cão e um espírito revolucionário moribundo, abafado pelas leis da ordem mas também auto-castrado, degenerado em ideais anacrónicos e ambições líricas de poder. E a imprensa, o tal poder paralelo aqui representada por Eduarda Galvão, repórter de uma revista aspirante ao estatuto da “Maria”.
Mário de Carvalho escreve sorrindo. Um sorriso ora trocista, ora deleitado com a sua própria criação, ora acompanhando um piscar de olhos ao leitor com quem mantém um permanente diálogo cúmplice.
Para terminar deixo-vos aqui a advertência com que o autor inicia o seu livro e que diz muito do seu conteúdo:

Advertência:
Este livro contém particularidades irritantes para os mais acostumados. Ainda mais para os menos. Tem caricaturas. Humores. Derivações. E alguns anacolutos.

Está tudo dito!

domingo, 12 de dezembro de 2010

O Deus das Pequenas Coisas - Arundhati Roy

Só nas Pequenas Coisas residem os laivos de luz a que poderemos, talvez, chamar felicidade. Velutha, o Deus das Pequenas Coisas, intocável e Ammu, tocável amaram-se entre as coisas pequenas, na margem de um rio, entre insectos e ervas, ódios e intolerância e foram felizes nesses laivos de luz. Isto aconteceu antes de as Grandes Coisas tecerem os destinos: as castas, imposição sagrada; Deus e a Ordem; Tradição e Devoção; desgraças, destinos trágicos que só as Grandes Coisas podem dar à vida.
A Índia, terra de tradições, religião, ditaduras e outras grandes coisas é o cenário de amores proibidos. Rahel e Estha, irmãos gémeos, felizes nas pequenas coisas que o amor de irmãos envolve, desenharão destinos trágicos nos vestidos brancos, europeus, puros, perfeitos, chiques, de Sophie Mol, a prima perfeita. E todos os destinos se desenharão em torno da menina perfeita a quem os peixes comerão os olhos.
O Deus das Pequenas Coisas é um livro estranho. Numa escrita profundamente simbólica, por vezes enigmática, onde se entrevêem traços nítidos de William Faulkner, o leitor é embalado numa escrita de enredo por vezes tortuoso, de onde sobressaem algumas ideias já desenvolvidas por Aravind Adiga: as desigualdades sociais como consequência das tradições hindus, agravadas pelas consequências do sistema capitalista. A civilização europeia continua, no entanto, a ser vista como um modelo, um ideal a seguir no comportamento social, fruto de uma colonização inglesa que deixou raízes profundas, que conseguiu enquadrar a Índia no esquema de superioridade colonialista. Ao longo do livro é constante o lamento de Roy perante os graves problemas da Índia moderna: as injustiças sociais, os abusos de poder, a corrupção, a exploração e abusos de crianças, a violência sobre as mulheres, a falta de higiene pública e privada, a desorganização geral ao nível social e político, etc. etc.
Por outro lado, o marxismo e o cristianismo, aparentes instrumentos de revolta, não conseguiram pôr em causa a realidade vigente porque também eles são elementos estranhos, impostos pela velha Europa.
O amor e a história romântica de Ammu e Velutha, bem como os laços profundos de amor entre os gémeos, surgem como uma espécie de fuga para o real; um esconderijo nas pequenas coisas. Os dois gémeos vivem um mundo muito próprio, entre os encantos que a inocência infantil proporciona e um mundo reservado de segredos, de vida nos limites do permitido pelos adultos, porque só a proibição dá encanto à busca da felicidade.
Ao longo do livro, as súbitas e constantes mudanças de cenário bem como de tempo narrativo tornam por vezes a leitura difícil, sem que o leitor tire grandes benefícios desse esforço que lhe é imposto. Os saltos cronológicos parecem claramente excessivos e muitas vezes desnecessários.
Por outro lado, esta técnica narrativa torna a acção demasiado lenta. Alguns episódios, como a espera por Sophia Mol arrastam-se por dezenas de páginas sem que se vislumbrem vantagens dessa lentidão. Assim, a leitura chega a tornar-se enfadonha.
É por isso que este é um livro estranho: saturante, fastidioso mas também recheado de uma rara beleza de linguagem e com um final belíssimo, de uma beleza que só a tristeza pode proporcionar.
(Texto também publicado no blogue DESTANTE)

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A Primeira Noite - Marc Levy

(também publicado no blogue Destante)
Fascinante! O mínimo que se pode dizer deste livro é que se trata da prenda ideal para este ou para qualquer Natal.
Não é por acaso que Marc Levy é o escritor francês que mais livros vende, um pouco por todo o mundo.
Esta é uma obra empolgante, delicada, emocionante e cheia de significado. Não se trata apenas de um livro de aventuras nem de uma história de amor; é uma epopeia recheada dos mais belos sentimentos humanos, um livro cheio de romantismo.
O astrofísico Adrian, e Keira, arqueóloga, percorrem o mundo em busca de quatro fragmentos de um estranho objecto com quatrocentos milhões de anos. Esses achados poderiam revolucionar por completo toda a história da vida na terra e todo o rumo da humanidade. Nessa intensa aventura contam com o apoio de Ivory, um velho professor de Etnologia e Walter, gestor da Real Academia de Ciências de Londres. No entanto, uma misteriosa organização liderada pelo enigmático Lord Ashton tudo fará para os impedir.
A narrativa faz-nos viver mundos maravilhosos, como o dos antigos Sumérios, o fascinante povo da Mesopotâmia que inventou a escrita.
Por entre aventuras, desventuras, perigos e actos de heroísmo, o enredo não deixa de nos suscitar profundos motivos de reflexão: por mais que a ciência evolua, por mais rigoroso que seja o conhecimento científico, nunca conheceremos tudo. E o ser humano tem uma profunda dificuldade em aceitar a impotência do saber; daí que, muitas vezes o incompreensível seja confundido com superstição. Tudo o que contraria o saber estabelecido (que é necessariamente limitado) é visto como perigoso porque contraria as pobres verdades que o ser humano teima em considerar inabaláveis. Aquilo que Adrian e Keira descobrem é perigoso porque desafia esse conformismo.
É por isso que este livro é também um belo hino ao infinito… o nosso conhecimento talvez não seja mais que um magro tesouro que guardamos religiosamente; e nós talvez não sejamos mais que um grão de areia no Universo. Um Universo infinito como amor de Adrian e Keira; infinito como a amizade de Adrian e Walter; infinito como o fascínio que um livro como este nos desperta e nos aprisiona até ao fim…

sábado, 4 de dezembro de 2010

Hoje Não - José Luís Peixoto

Todos os livros de José Luís Peixoto são diferentes. Dos outros e uns dos outros. Neste há smiles risonhos :), uma jovem freak que herda um avião comercial, gente a quem caem os dentes todos de uma vez e por mais de uma vez, um escritor falado na primeira pessoa que confessa escrever em nome de outro (sem que esse outro sequer os leia), smiles tristonhos :(, uma mulher peluda que destroça corações, uma mancha de iogurte nas calças de alguém que por causa disso arruína a sua vida, uma poetisa do Quirquistão e muito mais coisas inauditas que acontecem na vida de qualquer pessoa normal.
O livro é composto por seis contos. O primeiro deles é um verdadeiro hino ao sonho. Uma jovem herda um avião comercial e funda a Legalize Airlines. Só fará um voo. Não terá um único cliente. Não ganhará um tostão. Mas o sonho, esse, realizou-o.
O conto “:) e :(“ é uma história de amor. Uma história desgraçada. Catastrófica mas que, nem assim, destrói a esperança. Não há desgraça que sempre dure e talvez até haja desgraças maiores do que estar apaixonado. Talvez pior que o amor seja a queda de todos os dentes, como acontece com o herói do conto “Biografia sem dentes”.
Versatilidade. É a palavra chave deste livro de Peixoto, um escritor capaz de nos surpreender em cada parágrafo. Um livro pequenino, que se lê de um fôlego e sempre com um sorriso. Quem ler Cemitério de Pianos, Morreste-me e Uma Casa na Escuridão será incapaz de imaginar que Peixoto tem um sentido de humor como o que expõe aqui, brincando com o leitor, como no conto “Fantasma Escritor” em que um jovem escritor, descrito como se do próprio Peixoto se tratasse, se revela apenas um impostor que publica livros escritos por um respeitável e anónimo ancião.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

(intervalo)

Olavo Bilac (Santos & Pecadores), Nuno Guerreiro (Ala dos Namorados), Tozé Santos (Perfume) e Vítor Silva - quatro grandes músicos juntaram-se para lembrar à malta que o Zeca não morreu nem nunca morrerá.
Uma letra cada vez mais actual! Para nossa desgraça, os "fachos" continuam por aí.

BOM FIM DE SEMANA!

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A melhor leitura do mês - Novembro

Silêncio - Shusaku Endo
Um escritor cristão no Japão é difícil de encontrar (os cristãos constituem 1% do total de japoneses). Mas Endo não é apenas um escritor cristão japonês. É um génio, só comparável a Mishima ou a Murakami.
Silêncio. O silêncio de Deus perante as atrocidades dos homens... Neste livro, Shusaku Endo aborda um fenómeno histórico que nos diz muito: a missionação. Com uma clarividência incrível, com uma neutralidade impressionante, com um estilo claro, objectivo, fácil, Endo conta-nos a história impressionante de um padre português no Japão do século XVII, perseguido pelos impiedosos governantes nipónicos, pelos intolerantes samurais mas mostra-nos também que a razão nunca está só de um lado. Às vezes, praticar o bem é um acto discutível; às vezes o bem de uns não serve para os outros… às vezes é difícil ser tolerante. Os japoneses não foram tolerantes com os nossos missionários. E nós, fomos?
Seguramente o melhor livro que li em Novembro e um dos melhores de 2010.