segunda-feira, 30 de maio de 2011

No País das Porcas-Saras - Fernando Évora

Começando pelo fim: este livro sabe a pouco; a qualidade da escrita, o estilo aprimorado e ao mesmo tempo fluido do escritor, um tema abordado de forma muito original, são motivos suficientes para partir desta obra para uma obra capaz de ressuscitar os “Os Miseráveis” de Victor Hugo.
Elvira gosta de Tony Carreira enquanto António, o marido, vai às mulheres da casa de alterne. Rosa Barba é poetisa e criadora de galinhas, que põe mais ovos, quanto mais poesias ela faz.
Avelino veio de fora, sabe-se lá de onde, para aproveitar a desgraça de Esperancinha; Esperancinha (talvez por não ser mais que uma pequena esperança), há-de morrer no fundo de um poço; Deolondina, a filha deles e da desgraça, sonha… entre sonhos, vive com a desgraça. Nunca vencida por ela; nem sequer enfrentando-a; vivendo nela. Afinal sempre foi assim…
Rosa Barba sobrevive. Como os outros; enganando a vida. Ela é a guardiã da tradição que ensina a viver na miséria.
Ao longo da leitura veio-me à memória, por várias vezes, o imortal filme de Ettore Scola “Feios, Porcos e Maus”: a sátira simultaneamente trágica e cómica, a ironia; a desmistificação da pobreza. Ser pobre não implica ser bom ou ser ingénuo.
O Alentejo dito profundo não terra de gente ingénua; é terra de gente que esconde a infelicidade por detrás de todos os subterfúgios que a alma humana encontra para a desgraça: a violência, o sexo por vezes incestuoso, o alcoolismo, o crime. “São pobres de espírito”, dizem alguns; no entanto, nem o espírito sobrevive quando não há pão.
Perante a desgraça, muitas vezes não há outro refúgio senão o encolher do corpo e da alma como uma porca-sara.
A reforma agrária é vista ainda como um sonho perdido; um tempo em que uns raios de sol pairaram no céu mas que depressa se desvaneceram. Resta uma realidade imutável, por mais que os microondas, os telemóveis ou os plasmas invadam a planície; até a escola continua a ser um mundo à-parte; um mundo que não compreende as pessoas; um mundo impiedoso que quer impor o progresso a quem já há muito perdeu a esperança. A Directora de Turma, a psicóloga e a Directora da escola nunca compreenderão que a Esperancinha morrera há muito tempo…
E até o professor gordo que escreve o livro é visto como um estranho que não serve para nada na planície…

sexta-feira, 27 de maio de 2011

ALA e os nosso vícios

Há dias, neste bolgue, o Duarte do Desfiladeiro, em comentário ao livro "Os Cus de Judas", dizia o seguinte: "Faz muitas citações o que torna, para um leigo como eu, a leitura difícil e algo enfadonha. Mas a culpa deverá ser minha."
Não é, obviamente, culpa do Duarte. Muito menos do Lobo Antunes; todos nós, penso eu, já passamos por muitas experiências destas: achar o livro interessante, com qualidade literária mas sentir a leitura tornar-se difícil e, por via disso, enfonha.
O que se passa, a meu ver, é que o nosso cérebro de leitores está formatado, desde a infância, para a leitura "narrativa". Todos nós começamos por ler histórias infantis e juvenis e habituamo-nos a procurar no livro um enredo empolgante, com incerteza até ao fim e, por assim dizer, com princípio, meio e fim.
Penso ser este o principal motivo pelo qual as obras de António Lobo Antunes se tornam difíceis para muitos leitores: porque continuamos a procurar nelas o tal enredo, a tal estória com princípio, meio e fim que, obviamente, nunca encontraremos.
Na minha opinião (de modesto leitor, portanto sem qualquer pretensiosismo) devemos dividir a literatura de ficção em três categorias:
- O romance tradicional, predominantemente narrativo (que não exclui, obviamente, passagens mais descritivas e/ou reflexivas).
- A ficção mais reflexiva, onde se inclui ALA, na sequência, por exemplo, de obras fundamentais da literatura mundial como O Som e a Fúria, de Faulkner ou a primeira parte de Os Irmãos Karamazov, de Dostoievski.
- A ficção de cariz mais ou menos surrealista, onde a realidade é deformada para criar uma atmosfera de fantasia destinada a caricaturar ou interpretar o real de forma abstracta. Nesta categoria penso que se destaca a obra de Boris Vian.
O problema a que me referia acima deve-se, portanto, à tentação que temos, de ler as obras da segunda e terceira categorias como se da primeira se tratasse.
Se, pelo contrário, deixarmos de procurar a linearidade nos livros de Lobo Antunes, certamente iremos encontrar a beleza da linguagem e nos deixaremos embalar pela poesia da sua escrita. Lentamente, à medida que nos deliciamos com essa perfeição formal, vamos sentindo as emoções que o escritor nos quer transmitir.
Em conclusão: não procuremos estórias em ALA. Apreciemos antes a estética e o sentimento. É isso que o distingue e que faz dele um enorme GÉNIO literário.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Lendo Fernando Évora - No País das Porcas-Saras

Ainda um dia destes hei-de escrever aqui um texto sobre os novos valores da ficção nacional que, embora afastados dos grandes meios de comunicação social, fazem realmente crescer a literatura portuguesa.

Neste modesto blogue tenho tentado inserir leituras que vou fazendo destes novos escritores e, a cada passo, vou ficando surpreendido. Agradavelmente, note-se.
Depois de Luís Novais, Miguel Almeida, Cristina Torrão, Paulo Alexandre e Castro e Pedro de Sá, tropecei num algarvio chamado Fernando Évora que fala do Alentejo de uma forma bem original neste No País das Porcas-Saras. Um livro divertido mas muito sério, sobre a vida e a cultura de um povo carenciado a todos os níveis, mas não tão ingénuo como alguns o pintam.
Só uma curiosidade: como se escreverá “Porcas-Saras” segundo o novo acordo ortográfico? Porcassaras???!!! Arrrrgggg…
Opinião completa talvez amanhã, se deus e a ministra da educação permitirem...

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Os Cus de Judas - António Lobo Antunes

Encurralado entre o arame farpado das lágrimas e o muro frio da raiva, Lobo Antunes, mergulhado no terror das memórias ainda incandescentes de África, leva-nos em visita guiada ao horror, ao medo, à solidão e à revolta da guerra que é passado mas sobrevive, estrebuchando mas nunca morrendo, em todas as suas obras.
Olhares macabros, memórias de terror, tristeza de quem viveu algo que ainda resiste na alma, este é um retrato angustiado e revoltado. O narrador, nunca nomeado, podia ser Lobo Antunes. Médico como ele, sofreu a dor dos outros, camaradas na desgraça, vítimas de um regime assassino. Passadas as dores do corpo, permanecem as da alma, as mais duras de viver.
São estas memórias da grande noite de Angola que o narrador desfia perante uma mulher, também ela, só. Numa esplanada, depois num apartamento solitário e cinzento, sonhando com um sexo sem riso que provavelmente tentaria redimir-lhe o passado. Ilusões de futuro, para quem o passado é uma espécie de morte lenta, por consumar.
E a guerra depois da guerra que é a solidão. E o homem que a guerra não fez homem, afinal, apenas uma alma revolta no deserto, sem sonhos nem esperança, apenas uma memória negra de morte ou vermelha de sangue. Um homem só, pássaro ferido que um dia quis voar. Agoniza. À sua frente um futuro que nada lhe oferece. Atrás de si um passado que o persegue e absorve. Devora. Devagar… sadicamente devagar, como na agonia do soldado que morre com as tripas na mão.A espaços emerge a violência; a violência da guerra colocada nas letras carregadas, numa caneta que rasga o papel como as metralhadoras rasgavam as carnes inocentes dos soldados, esventrados por causa de uma mentira chamada Pátria.
Também o amor toma parte neste festim de horrores; as saudades e a mágoa do amor perdido de Sofia, um amor roubado pela PIDE. Um amor que se mistura com o prazer triste da sua interlocutora; um prazer magoado porque é impossível fugir da memória.
Solidão, poesia, violência, amor e morte. É assim nos Cus de Judas, ou seja, nos confins de Angola ou nas profundezas da alma de ALA.

Avaliação pessoal: 9.5/10

terça-feira, 24 de maio de 2011

Lendo Lobo Antunes (Os Cus de Judas)

Esta é uma das obras mais emblemáticas do grande mestre. Trata-se de um texto exemplar, repositório de toda a beleza que se pode extrair da língua portuguesa. Este livro devia ser um tratado de bem escrever em Português: uma linguagem cuidada e poética, que nos deixa estonteados pela beleza, pela sonoridade das frases e pelo sentimento que encerra.
Todos sabem que Lobo Antunes tem na Guerra Colonial um tema de eleição. Escrito num tom nitidamente auto-biográfico, este livro é um relato pungente de todo o sofrimento que aquela guerra provocou, no meio das trevas salazaristas.
Comentário completo amanhã no blogue.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Os antepassados dos smiles?

Mário de Carvalho, no magnífico livro de contos “O Homem do Turbante Verde”, tem uma nota muito curiosa sobre o uso da pontuação. Diz ele que aos autores “não lhes está vedado, até, inventar sinais de pontuação, como fez Sterne e aqueloutro escritor, de que não me recordo agora o nome, que criou o ponto de indignação.”
Ora eu resolvi ir à procura do tal ponto de indignação e respectivo dono. E… achei!
Trata-se de escritor francês chamado Hervé Bazin, no seu livro “Arrancam o Pássaro” (1966) que criou vários sinais de pontuação.
No entanto, o referido “ponto de indignação” terá sido criado muito antes, em finais do século XIX, pelo poeta francês Alcanter de Brahm.
Aqui ficam os sinais ortográficos a que se referia Mário de Carvalho:
Informação compilada do blogue PHOTUSFACTUS.

domingo, 22 de maio de 2011

D. Casmurro - Machado de Assis

Que dizer de um dos maiores clássicos da literatura brasileira?
Como ponto de partida, fica o lugar-comum: é uma obra prima!
O aspecto que mais me deliciou ao longo da leitura foi a clareza da linguagem; a forma objectiva, límpida, simples e directa com que Assis nos conta uma bela história de amor e de vida. Nada é supérfluo na narração; não há descrições desnecessárias; e a forma bem disposta como o autor se dirige ao leitor na segunda pessoa do singular – um tratamento por “tu” que nem é comum na expressão brasileira da língua portuguesa. Esta familiaridade com o leitor reforça a feição lúdica da leitura, criando uma notável empatia.
Ao nível do conteúdo, D. Casmurro perpassa todas as grandes angústias que povoam a existência humana: o ciúme, a morte, o adultério, a descrença, fazendo com que amiúde o leitor seja levado a olhar para a sua própria vida, de tal forma estes problemas são materializados em situações comuns.
A história de Bento Santiago é contada na primeira pessoa, desde tenra idade até ao presente do narrador. Bento é um rapaz muito inteligente de uma família aristocrática brasileira em meados do século XIX. Orfão de pai, é destinado pela mãe, em função de uma promessa, ao seminário. Nesta situação desenrola-se o primeiro grande dilema de Bento: como conciliar este destino com o amor ingénuo mas profundo por Capitu. Depois vem a amizade pelo colega de seminário, Escobar que o acompanhará até à tragédia. Mais tarde será o ciúme a atormentar a vida de Bento. E, finalmente, os dramas da morte. E fica a ideia de como o ser humano é capaz de destruir a felicidade ao mesmo tempo que a procura desesperadamente.
Mau grado o dramatismo extremo de algumas situações a leitura mantém-se agradável até ao fim. Dificilmente alguém abandona este livro a meio.
Um dos aspectos mais notáveis deste livro é o retrato social da época; de um Brasil ainda imperial, ainda esclavagista e ainda profundamente marcado por uma religiosidade conservadora e por valores morais muito rígidos. É a este mundo fechado e difícil que Bento sobreviverá, primeiro com todas as belezas de um amor feliz, depois com todo o drama que a existência humana é capaz de enfrentar.
Avaliação Pessoal: 9/10

sábado, 21 de maio de 2011

Lendo Machado de Assis

Nunca tinha lido nada deste grande mestre da literatura brasileira. A meio do livro (D. Casmurro), é já possível reconhecer em Machado de Assis uma capacidade narrativa extraordinária. A sua linguagem, expremamente objectiva, torna a narração límpida, transparente, sem floreados.
Trata-se da história de Bento Santiago, contada na primeira pessoa, desde a infância, passando pelo seminário e o primeiro amor (Capitu), até ao momento em que escreve, com cerca de 50 anos.
Ao longo do livro é extraordinário o retrato social da época (meados do século XIX), o tradicionalismo dos costumes e o moralismo que caracterizavam a classe aristocrática brasileira, ainda esclavagista.
Um livro interessante que se lê com gosto. Saúda-se a sua inclusão na colecção "Não-Nobel" do jornal Público. Excelente iniciativa.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Bom Dia Camaradas - Ondjaki

Bom dia Camaradas é um belo exercício auto-biográfico em que Ondjaki recorda, na primeira pessoa, momentos fascinantes de uma infância passada na Luanda dos anos oitenta, sob o signo da guerra civil. Publicado pela primeira vez em 2001, este é também um livro que envolve uma crítica mordaz ao regime angolano de José Eduardo dos Santos, que governa Angola desde 1979 até à actualidade (note-se que Ondjaki nasceu em 1977).
Em termos de estilo, esta obra é construída numa linguagem infantil de rara beleza, cheia de humor e da ternura da infância. Encantadora é talvez o melhor adjectivo para esta escrita.
Nesta Angola pós revolução abundam a violência, a propaganda descarada do regime, o racionamento de bens alimentares, as injustiças sociais e a falta de liberdade. No entanto, a feliz inocência das crianças faz com que elas absorvam na totalidade as mensagens de propaganda, tanto subliminares como explícitas, que o regime ditatorial lhes vai inculcando.
Este testemunho vivo é também uma narrativa melancólica de um país onde o colonialismo português foi substituído por uma ditadura dita do povo, onde até os professores cubanos são pobres. É o retrato de uma população desiludida mas acomodada, submissa e completamente dominada pelo medo.
É um livro pequenino mas cheio de conteúdo. Chega a ser comovedora a simpatia de Ondjaki pelo povo e pelas crianças angolanas: “também percebi que, num país, uma coisa é o governo outra coisa é o povo”.
É nítida também a admiração do autor pelos cooperantes cubanos, principalmente os professores, jovens idealistas e mal pagos que transportam consigo o fascinante espírito de Che Guevara: o socialismo internacional, o espírito ingénuo e puro da solidariedade entre os povos, fundamentos de uma verdadeira revolução socialista. Uma bela mensagem, nestes tempos em que países como Angola ou Portugal parece terem desaprendido de vez a beleza da mensagem socialista, conspurcando esta ideologia com a abjecta e interesseira política partidária.

Avaliação pessoal: 9.5/10

quinta-feira, 19 de maio de 2011

A Estepe - Anton Tchekhov

Na senda dos grandes escritores russos, Anton Tchekhov, presenteia-nos com uma escrita incrivelmente fluida, sem rodeios mas também sem deixar de nos maravilhar com descrições bucólicas das imensas estepes russas onde se desenrola a acção.
Tcheckov escreveu poucos romances; era essencialmente um escritor de contos e peças teatrais. Mas este pequeno romance é deslumbrante na sua simplicidade.
Trata-se de um relato escrito na primeira pessoa da viagem de um jovem desde casa dos seus pais até à cidade onde lhe é prometido um futuro que ele construirá a partir do estudo. Para uma criança pobre na Rússia do final do século XIX, ter acesso à escola era um verdadeiro sonho. Ao longo da viagem, acompanhado pelo padre Crisóstomo e por um tio comerciante que lhe pagará os estudos, o nosso jovem vai conhecendo personagens da verdadeira Rússia que não dos Czares e Príncipes mas de gente simples e pobre. Ao longo da viagem, o tom da escrita vai-se tornando mais sombrio. Aliás, a paisagem da estepe é-nos apresentada em tons cada vez mais sombrios à medida que o estado de espírito do jovem também vai "escurecendo". O final, no entanto, é o regresso à esperança e ao sonho.
Todo o livro é um retrato da solidão e da miséria que se vivia nas imansas estepes da Rússia, num cenário que faz lembrar Tolstoi. Tudo é triste, monótono, pobre.
No entanto, a mensagem final do livro é clara: o conhecimento é a única forma de procurar a felicidade e construir o progresso. O padre Crisóstomo parece ser o elemento-chave neste contexto: ele remou contra a maré e foi o clérigo iluminado que agora tenta incutir ao jovem Iegoruchka essa luz do saber.
O livro termina com um raio de luz; uma luz de esperança e uma expressão de crença na bondade humana, personificada por Natássia Petrovna.
Num mundo de pobres, salteadores e assassinos havia ainda lugar para a bondade.
E para a esperança!
Avaliação pessoal: 8.5/10

terça-feira, 17 de maio de 2011

Lendo Tchekhov

Anton Tchekhov é considerado por muitos críticos como o melhor contista de sempre. Aliás este romance (A Estepe) não é mais que um conto um pouco mais extenso.
Seja como for, conto, novela ou romance é uma excelente obra literária. Tchekhov não ficou nas primairas páginas da grande literatura russa, de Tolstoi (que o influenciou nitidamente neste livro), de Gorki ou Dostoievski. Mas anda lá perto.
A sua escrita é marcadamente realista, com forte crítica política e social, como é apanágio dos escritores deste período (finais do século XIX). Aliás foi uma das épocas mais dramáticas da história desse grande país, no estretor do Império dos Czares que tão dramaticamente desembocaria na revolução de 1917.
Para além de ser uma obra de fácil leitura, este livro pode funcionar também como uma preparação muito eficaz para ler Gorki ou Tolstoi. Digamos que tem um alto valor pedagógico.
Amanhã opinião completa neste blogue.
Imagem retirada de um magnífico blogue brasileiro que descobri agora mesmo. Chama-se Panorama e o link  é este: http://panorama-direitoliteratura.blogspot.com/

segunda-feira, 16 de maio de 2011

O Homem do Turbante Verde - Mário de Carvalho

Devo dizer que continuo “apaixonado” pela escrita de MdC, devido à sua preciosidade estilística, à sua versatilidade, à riqueza linguística e, acima de tudo, à sua incrível técnica narrativa que faz de MdC, a meu ver, o melhor contador de histórias da literatura portuguesa actual. O recurso a vocábulos pouco comuns é utilizado para reforçar o tom humorístico da escrita.
Este é um livro de contos. Talvez o livro do género que mais apreciei até hoje, excluindo talvez os Contos de Eça de Queirós.
De Mário de Carvalho, qualquer leitor pode dizer: “lê-se bem”. É uma escrita sempre fluida e divertida, mesmo que os assuntos sejam sombrios como é o caso do segundo conto, em que um grupo de arqueólogos empreende uma curiosa expedição à imaginária (julgo eu) terra dos Makalueles. Um a um, todos os exploradores vão morrendo de forma brutal, bem como numerosos nativos. Mas nem por isso o conto deixa de envolver uma leveza de escrita, uma beleza formal impressionante.
Após os dois primeiros contos, as agulhas da narrativa mudam por completo: seguem-se três contos sobre a resistência anti-fascista em Portugal, onde predomina a força de uma luta contra o medo, contra o silêncio negro da ditadura.
Os últimos contos primam pela imaginação, pelo encanto algo surreal de histórias fantásticas. O conto “O Celacanto”, por exemplo, é um exercício prodigioso de criatividade literária. Neste últimos contos, num certo sentido, há um regresso ao início: ao lado sombrio da alma humana. Regressa a violência e a morte. O conto “A longa marcha” envolve uma crueza extrema – toda a violência e toda a desumanidade que pode existir na alma humana; um grito estridente, poderoso, contra o egoísmo assassino que existe no ser humano. Um enorme grito de revolta.
O livro termina com mais uma obra de arte: um conto cheio de humor sobre a mais caricata e ao mesmo normal loucura do ser humano.

imagem daqui.
Avaliação pessoal: 9/10

domingo, 15 de maio de 2011

Lendo Mário de Carvalho: O Homem do Turbante Verde

Com a garantia de qualidade da Editorial Caminho, eis o último livro de Mário de Carvalho: O Homem do Turbante Verde.
Trata-se de um livro de contos. Este género não é o meu favorito. No entanto, nunca se pode dar por perdido o tempo de ler Mário de Carvalho. A riqueza linguística da sua escrita, a extraordinária capacidade de contador de histórias e o seu estilo inconfundível, cheio de originalidade e humor são garantias de uma leitura agradável e empolgante.
Sem as parangonas publicitárias de outros, sem as máquinas de marketing a que outros recorrem com ridículo exagero, Mário de Carvalho continua a ser um dos grandes nomes da nossa literatura.
Amanhã a minha opinião completa sobre o livro.

sábado, 14 de maio de 2011

A Questão Finkler - Howard Jacobson

Magnífico. Não é por acaso que este livro venceu o Booker Prize, superando livros como o também excelente “C”, de Tom McCarthy.
Julian Treslove era um homem vulgar que não conseguia imaginar uma solidão maior que a sua. Sonhava poder ser ao menos um viúvo; ao menos poder ter tido uma mulher nos braços. Julian era um homem só. Algo faltava na sua vida, sem que ele o pudesse identificar. Julian Treslove invejava Finkler; ele era Finkler e ao mesmo tempo um finkler - um judeu. Era inteligente e imponente.
Houve uma época em que Finkler, professor de filosofia, escreveu quatro livros de auto-ajuda e ficou rico. Finkler tornou-se mais que um finkler. Treslove queria ser como ele mas não o podia revelar, nem sequer admitir.
A partir daqui, Jacobson constrói um enredo em que o riso esconde uma reflexão poderosa sobre a identidade judaica. Nunca tão bem se escreveu uma comédia sobre coisas muito sérias. O autor coloca-nos um sorriso nos lábios ao mesmo tempo que nos faz encarar de frente o Holocausto (“lá vamos nós outra vez!”), a faixa de Gaza e, acima de tudo, a angústia de ser judeu, com todas as contradições que a história foi construindo em torno deste povo.
De espírito melancólico, Treslove, na sua juventude, apaixonou-se por novelas românticas e ópera. Não aprendeu música porque não tinha ninguém para quem tocar.
O segundo amigo de Julian é Libor, um judeu de 90 anos que havia sido seu professor. Libor tivera uma vida feliz como marido e como judeu. Mas acabará a sua vida desiludido. Quase envergonhado.
Um dia uma mulher assaltou Treslove e chamou-lhe judeu. Ou pareceu-lhe ter ouvido tal insulto. Isto mudará a sua vida. A partir daí Julian reconstruirá a sua personalidade; ele havia de ser um judeu. Havia de aprender iídiche e haveria de casar com uma judia bem gorda – muita mulher judia. Antes disso haveria de ter um caso com a mulher de Finkler que ele julgava judia. Por um lado, era a esposa do amigo que invejava (“ele estava a pedi-las”) por outro lado, era uma judia e ele estava sedento de judaísmo.
Mas é com Hephzibah, uma imponente mulher judia, uma personagem fortíssima, sobrinha-bisneta de Libor que ele veio a casar e a realizar-se, pelo menos provisoriamente. Hep era uma mulher rechonchuda – a primeira mulher saudável da vida de Julian.
Finkler, crítico mordaz do sionismo se bem que nunca prescindicdo dos seus objectivos individuais, torna-se um judeu envergonhado. Pode ser-se isso sem ter vergonha de si próprio? Esta é, talvez a questão fulcral deste livro: a sua identidade como judeu e a identidade do povo judeu. Como conciliar o ser individual com o grupo ao qual ele está umbilicalmente ligado? Os judeus são vítimas da história. Mas… e a Faixa de Gaza? E os colonatos? A desunião é cada vez mais visível. Os críticos do sionismo são os envergonhados. No entanto, nem eles deixam de ser vítimas do anti-semitismo. Por outro lado, de certa forma, também eles são anti-semitas. É este mundo confuso, esta miscelânea de interesses e angústias que povoa a vida de Libor, Finkler e Treslove.
O efeito humorístico desta situação deriva, em grande parte do facto de Treslove ser uma espécie de retrato invertido de Finkler: ele é o gentio que quer ser judeu, que é atraído por uma certa melancolia própria da alma judaica e Finker é o judeu envergonhado, que procura no sucesso individual um certo triunfo sobre a realidade histórica em que está envolvido. Ambos lutam contra a sua própria identidade.
Quando, finalmente, Treslove se torna judeu, encontra a angústia e a desgraça…
Enfim, um livro magnífico, talvez um dos melhores romances do século XXI. Surpreendente, divertido, magnífico.
A arte de brincar com coisas sérias.
Avaliação Pessoal: 9.5/10

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Prémio Camões 2011

Manuel António Pina é o vencedor do prémio Camões deste ano.
Já expressei aqui a minha opinião sobre os prémios literários; muitas vezes a atribuição desses galardões prima pela surpresa, desafiando todas as leis da lógica. Por outras palavras, atribuo muito pouco valor a esses prémios. Afinal de contas estamos em Portugal e o mérito raramente é premiado.
No entanto, há excepções.
Parece-me que, a nível internacional, o Man Booker Prize tem lançado no estrelato verdadeiros génios literários. Ao nível da literatura lusófona, esse papel tem cabido ao Prémio Camões. A lista dos premiados, desde 1989, garante-nos o valor desse prémio: o primeiro vencedor, em 1989, foi Miguel Torga. Destaco ainda Vergílio Ferreira (1992), Jorge Amado (1994), José Saramago (1995), Eduardo Lourenço (1996), Pepetela (1997), Eugénio de Andrade (2001), Lobo Antunes (2007), Ubaldo Ribeiro (2008), entre muitos outros nomes enormes da nossa literatura (digo nossa porque sou daqueles que considero, acordos ortográficos à parte, que a nossa pátria é a língua portuguesa). É óbvio que há muitos outros a merecer este prémio, mas esta lista é suficiente para concluir que quem o ganha é, de facto, grande.
É por isso com algum pesar que declaro aqui que nunca li nada de Manuel António Pina. Essencialmente poeta, escreveu já crónicas, várias peças de teatro, algumas obras de ficção e numerosos livros infanto-juvenis. É um escritor ao qual estarei muito mais atento nos próximos tempos.
A ter em conta!

Imagem Folha.com.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Lendo Howard Jacobson - A Questão Finkler

O Man Booker Prize é talvez o prémio literário mais prestigiado do mundo. Já foram distinguidos autores como Adiga, com O Tigre Branco, Yann Martel, com esse fabuloso A Vida de Pi, Coetzee, com Desgraça e Ondaatje, com o Paciente Inglês, só para referir livros já comentados neste blogue.
Em 2010 o vencedor foi este livro de Howard Jacobson.
Foi por esse motivo que empreendi esta leitura. E está a revelar-se fascinante!
A Questão Finkler é a verdadeira arte de brincar com coisas sérias. A questão judaica vista através da vida de um homem que não é judeu mas quer ser judeu, por oposição a um outro que, sendo judeu, detesta os judeus.
Estou a meio do livro e posso garantir que é um daqueles livros que não nos deixa tranquilos enquanto não acabamos. Pelo meio vamos rindo e pensando. Que mais se pode pedir a um livro?

sexta-feira, 6 de maio de 2011

MÁGICO BRAGA

DESCULPEM LÁ MAS HOJE NÃO FALO DE LIVROS.
QUASE 24 HORAS DEPOIS E ACHO QUE AINDA NÃO ACORDEI DO SONHO!

terça-feira, 3 de maio de 2011

segunda-feira, 2 de maio de 2011

A melhor Leitura do Mês - Murakami, pois claro

Dos onze livros lidos, não restam dúvidas: aquele cuja leitura me deu mais prazer foi sem dúvida Crónica do Pássaro de Corda, de Haruki Murakami. Sem dúvida nenhuma, um dos melhores livros dos últimos vinte anos.Um livro que, só pró si, talvez já faça Murakami merecer um Nobel. Mas o que dizer de um escritor que, para além desta verdadeira obra de arte escreveu também livros geniais como Sputnik, Meu Amor e Kafka à Beira-Mar?
No entanto, gostava de destacar ainda dois outros livros: Desgraça, de Coetzee: um livro muito sério de um escritor muito sério. Ao nível da literatura portuguesa queria também destacar um livro notável: D. Dinis, de Cristina Torrão. Um magnífico romance histórico porque alia duas dimensões que são indispensáveis neste género: a sensibilidade da escritora ao nível das emoções e a fidelidade histórica.