sábado, 28 de fevereiro de 2015

Charles Bukowski


Há embirrações incontornáveis. No que aos livros diz respeito, eu tenho pelo menos uma: Charles Bukowski. Dizem que é um dos nomes maiores da literatura dos EUA. Embora não seja grande adepto do país, admiro imenso os escritores norte-americanos: de Capote a Auster, de John dos Passos a Roth, de Kerouac a Mccarthy, etc. Todos eles são autores de grande dimensão artística mas também personalidades ímpares ao nível do humanismo, da sensibilidade na análise dos problemas sociais e extremamente críticos no que respeita aos assuntos políticos.
Mas não suporto o estilo descaradamente sexista, banal, alcoólico, ordinário e, para mais, histericamente hipocondríaco. Não sou propriamente um conservador e até julgo ter um espírito bastante aberto face a escritores polémicos, atrevidos e que rejeitam todos os cânones. Mas Bukowski resiste a todo esse meu liberalismo.
Raramente deixo um livro a meio e por isso, confesso, fiz um esforço desmedido para ler “Mulheres”, esse arrazoado de bestialidades que foi a vida de um escritor alcoólico, obsessivo e louco. Dizem que foi um grande crítico e talvez essa tenha sido a sua maior virtude. Mas todos os enormes escritores americanos que referi acima são ou foram enormes críticos sem nunca terem caído numa linguagem de sarjeta.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Charles Dickens - Genialidade absoluta


Estou neste momento a ler Nicholas Nickleby e estou encantado. E dececionado por ter chegado a esta idade sem ler os grandes livros deste génio literário.
Talvez Charles Dickens tenha sido o maior contador de estórias de todos os tempos. Não me refiro, obviamente, a muitas estórias mas, certamente, a GRANDES estórias. Cada livro do grande mestre britânico é uma viagem encantadora a um mundo que já não sendo nosso, foi o meio encantado e desgraçado que nos precedeu: esse magnífico e medonho século XIX, cheio de esperanças e de fascínio mas também carregado de injustiças e medos.
Charles Dickens talvez tenha sido um comunista antes do comunismo: preocupado, acima de tudo, com as injustiças daquela época vitoriana, em que a exploração do homem pelo homem era uma regra implícita mas bem patente do universo vitoriano; um mundo cheio daquela perfídia que resulta da legitimidade na luta pelo sucesso material; a isso se chamou, com muito descaramento, moral burguesa. 
É por isso que as personagens de Dickens são tão encantadoramente maniqueístas: há uma linha clara que separa os bons, os honestos que são vítimas, daqueles que representam as forças do mal e que mais não são que os frutos desse meio burguês materialista e capitalista. E é por isso que é impossível a qualquer leitor esquecer personagens fantásticas, magníficas enquanto seres humanos como são Nicholas Nickleby, David Copperfield, mas também geniais personagens secundários, autenticas obras de arte na criação o romancista, como são Wilkins Micawber ou Newman Noggs. Mas, muitas vezes, é no horrível que encontramos a mais belas obras de arte e personagens pérfidas como Uriah Heep ou Wackford Squeers não deixam de ser criações únicas e geniais.
imagem de http://www.notable-quotes.com/

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

António Lobo Antunes - Um desastre - E daí?


Parece que o último romance, o 25º, de António Lobo Antunes está a ser um desastre de vendas.
Talvez esteja enganado mas atrevo-me a palpitar que o nosso velho guru está-se marimbando para isso. Alguns críticos andam certamente mais preocupados que ele; afinal são euros que não se ganham, são oportunidades que se perdem.
Acredito que para Lobo Antunes o sucesso já não está nas vendas; a imagem mental que tenho dele é a de um gato velho. Os gatos são, por definição, animais com uma personalidade muito forte; senhores do seu nariz; convencidos do seu poder embora ao mesmo tempo mimados. Assim é Lobo Antunes. A vida que trilhou, tão rica e tão cheia de obstáculos, está muito acima de qualquer sucesso ou insucesso editorial.
Seja como for, depois de ter ficado a saber que Caminho Como Uma Casa em Chamas só vendeu 1600 livros na FNAC fiquei ainda com mais vontade de ler o livro. E talvez esteja aqui o mote para um lema que o pessoal do marketing da editora D. Quixote poderia explorar: Não Perca o Único Livro de Lobo Antunes Que Foi Um Verdadeiro Desastre. Já que o próprio ALA não se promove e tanto despreza a sua imagem…
Para lá de tudo isto, está Lobo Antunes, que após a morte de Saramago se tornou, sem dúvida, o mais conceituado escritor português vivo.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Cristais de Natal - José Fernandes da Silva

Comentário:
Antes mais nada, o título. Cristais de Natal. Poucas vezes um livro terá tido um título tão feliz. Os cristais são belos e simples. Como belos e simples são os contos que José Fernandes da Silva escreveu para este livro.
E o Natal. A consoada e o dia de Nascimento, como são conhecidos no Minho os dois dias mais importantes da quadra. O Natal, logo no primeiro conto (Consoada Feliz) é-nos apresentado como um suave milagre, para usar a tão feliz expressão de Eça de Queirós. Um milagre singelo e suave, um tempo de felicidade discreta, tão simples como os cristais feitos de geada.
Nesse conto, o Rogério viera de fora. Era um migrante, como tantos que por aí encontramos hoje em dia, talvez à procura de um qualquer Natal. Mas alguém seria enviado pelo Espírito do Natal para oferecer ao Rogério uma réstia de luz, tão simples, tão singela, mas suficiente para fazer nascer um sorriso cristalino.
Por mais que o poeta proclame, o Natal nem sempre é quando um homem quiser. Porque como diz o autor, “uma grande parte das vezes, o homem não quer nem se esforça por querer”. É por isso que o 25 de Dezembro é e será sempre um dia único.
Uma das principais qualidades deste livro é a enorme variedade de abordagens do espírito natalício, fruto da fértil criatividade artística do autor. Por exemplo, no conto “Presente de Natal, a dádiva é da mãe natureza, sob a forma do azevinho, que é dádiva sagrada; no conto “Prenda de Natal” encontramos uma bela alusão a um momento histórico fulcral. É que houve um ano em que o Natal foi em Abril; porque é quando um homem quiser e nesse ano os homens quiseram, finalmente, acabar com a ditadura. Foi o ano em que o Natal se escreveu com as letras da palavra Liberdade.
São pobres aqueles sobre quem José Fernandes da Silva escreve; mas não são os pobres miserabilistas ou acomodados, à espera do subsídio, nem muito menos os pobres conformados com os velhos e tacanhos valores ultraconservadores da “pobreza honrada”. É, isso sim, a pobreza de um povo que luta, de um povo que, com suor e fé, sonha que um dia “a riqueza, fraterna, abrace a pobreza” (página 29). Ou seja, um povo que clama e luta por um mundo mais justo e fraterno.
É claro que os valores cristãos estão sempre presentes neste quadro social e mental. Mas não se esgotam em si mesmos. São valores ativos; constituem um quadro moral que não se pode separar das condições materiais de existência.
No entanto, nem mesmo o Natal é eterno; pelo menos algumas das tradições que envolve estão ameaçadas; é o caso do presépio tradicional ou dos jogos de pinhões. Este livro pode também ser entendido como um repositório dessas tradições e, acima de tudo, desse espírito que todos queremos manter. Ou melhor, cristalizar.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Humberto Delgado, Sem Medo


Um intervalo nos livros para lembrar os 50 anos que hoje se completam sobre a morte de uma das personagens mais importantes da História de Portugal.
O General Sem Medo, Humberto Delgado disse um dia que se ganhasse as eleições, obviamente, demitia Salazar. Pagou a ousadia com a própria vida mas escreveu assim a primeira página do caminho do país para a Liberdade.
Candidato às eleições para Presidente da República, perdeu para Américo Tomás num ato eleitoral marcado, mais uma vez pela fraude generalizada. Mas a vingança do decrépito ditador nem por isso se fez esperar e Delgado foi cruelmente assassinado pela PIDE.
Ficou a memória do herói e a vergonha de um ditador idiota, morto no tempo e agarrado ao poder, mesmo à custa do sacrifício de todo um povo. 
No entanto, a História acaba sempre por ser a última justiceira e para sempre ficará a imagem de um General que foi herói e mártir, face a um ditador dominado pelo ódio e pelos fantasmas que o atormentavam…

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Marco Aurélio - Frank McLynn


Comentário:
Penso que só uma vez abri uma exceção neste blogue para publicar um comentário de um livro de não ficção; a distinta honra foi para o enorme Carl Sagan. Hoje abro a segunda exceção para publicar a minha opinião sobre esta excecional, enorme em todos os sentidos, biografia do imperador Marco Aurélio.
Um grande escritor, sinceramente não recordo quem, disse um dia qualquer coisa como isto: prefiro a ficção porque normalmente fala verdade. Pois bem, esta biografia não é ficção e fala verdade. Em grande parte porque o autor manifesta uma enorme habilidade literária, que lhe permite contar toda a história de Marco Aurélio mantendo na narrativa aquilo que a ficção tem de melhor: o despertar do interesse do litor; a emoção, a beleza de um enredo. Ou seja, estamos perante um livro de história que se lê como se de um romance se tratasse.
Em primeiro lugar, um dos maiores méritos desta obra: uma biografia nunca pode restringir-se à vida e obra do personagem histórico aboradado. Na melhor tradição da historiografia britânica atual, Mclynn enquadra a vida de Marco Aurélio no contexto histórico, destacando os fenómenos mais significativos da época, recorrendo aos quadros politico, económico, social, religioso, mental, etc. Daí emana uma verdadeira aguarela de onde vemos surgir realidades por vezes surpreendentes, chocantes mesmo para o leitor do século XXI.
O Império Romano constituiu uma das realidades mais fascinantes de todos os tempos; o poder dos imperadores, a ofuscante riqueza que transitava nas estradas romanas, o espetáculo impressionante do Circo e do Coliseu, a devassidão algo escandalosa que é atribuída àquele povo são apenas alguns dos pormenores desse encanto. Mas poucos saberão de outras realidades que este livro muito bem destaca e que nos mostram “outro” império romano. Por exemplo, um  povo em que a esperança de vida não ultrapassava os 30 anos! Um povo onde as desigualdades sociais eram tais que era vulgar morrer de fome. Um povo onde  as condições de saúde eram tão precárias que qualquer doença se tornava mortal.  
No meio de tudo isto, emergiam os grandes personagens. Marco Aurélio foi um dos maiores. O imperador conquistador da Germânia e da Pártia (antiga Pérsia) foi também o imperador Filósofo. Escreveu uma das mais importantes obras literárias da Antiguidades (Meditações, uma obra em formato de aforismos) e foi um dos mais lídimos representantes da corrente estoica. 
A adesão de algumas elites romanas e mesmo imperadores ao estoicismo não deixa de ser curiosa, tendo em conta o contraste daquela filosofia (que proclama a virtude do sofrimento) face ao reconhecido (e talvez exageradamente propalado) hedonismo romano. Mas talvez o estoicismo fosse o “contrapeso” para tal culto do prazer…
Marco Aurélio foi, acima de tudo, um político sóbrio, sério, honesto. Muito no inverso do que hoje se usa… Totalmente desprovido de senso de humor incapaz de rir, tinha no entanto um impressionante sentido de justiça que não o impediu, no entanto, de ser um dos maiores perseguidores dos cristãos. 
No entanto, é necessário enquadrar devidamente esse fenómeno: as perseguições parecem refletir motivações políticas (o facto de os cristãos não aceitarem o culto do Imperador), religiosas (a negação do politeísmo),culturais (o desenquadramento do cristianismo face à realidade cultural romana, uma sociedade essencialmente urbana e comercial, face a uma religião que valorizava a pobreza) mas também cientificas, como muito bem destacava o famosos médico Galeno, que acusava os cristãos de acreditarem em princípios ingénuos, quase infantis, como a criação a partir do nada. A aceitação destes dogmas seria, segundo Galeno, um obstáculo ao conhecimento científico. O certo é que, para além destes motivos, as perseguições tendiam a aumentar à medida que crescia a insegurança e a crise no império.
Na verdade, Marco Aurélio governou numa época em que os sinais de decadência se tornavam cada vez mais óbvios (170-180 d.C.). As crises, quer económicas provocadas pelo fim das conquistas, quer demográficas provocadas por enormes mortandades, tendiam a indicar os cristãos como uma seita maléfica, culpada de todas as desgraças.
E não foram poucas essas desgraças no tempo de Marco Aurélio. Por exemplo, uma imensa crise demográfica terá sido causada por Pestes (designação de todas as doenças mortais mal identificadas) que hoje sabemos ter consistido numa imensa epidemia de malária e uma outra de varíola, a chamada Peste Antonina por ter surgido no tempo de Antonino Pio, antecessor de Marco Aurélio.
Todo o quadro económico-social do tempo de Marco Aurélio era também dramático: a agricultura estava totalmente dependente da escravatura, sabendo-se que tal realidade era impeditiva de um verdadeiro crescimento. Entre os romanos só algumas vozes mais ilustres, como Plínio o Velho, estavam conscientes desse terrível malefício da escravatura. Mesmo assim, os escravos esgotavam-se à medida que as conquistas diminuíam e os imperadores romanos iam, desesperadamente, tentando camuflar estas crises, tentando inventar estratégias que permitissem a Roma manter a todo o custo o seu espetacular estatuto de cidade imperial.
Em suma, estamos perante um livro que nos oferece um verdadeiro passeio pelas virtudes, riquezas, misérias e pecados desse universo fantástico que é a Roma Antiga. Fascinante. 

Sinopse(in wook.pt):
Marco Aurélio, o último dos "cinco bons imperadores" de Roma, é a única grande figura da Antiguidade que ainda nos toca, quase dois mil anos após a sua morte. Podemos entusiasmar-nos com os feitos de Alexandre o Grande, de Aníbal ou de Júlio César, mas a única voz do mundo greco-romano que ainda parece assumir relevância na nossa contemporaneidade é a do homem que dirigiu o Império Romano entre 161 e 180 d. C.