sexta-feira, 31 de julho de 2015

Um mundo sem fim - Ken Follett - vol 2


Estranha e surpreendentemente dececionado, após ter terminado este segundo volume. A ação é menos intensa, o ritma narrativo mais lento e a incerteza no desfecho é menor. Continua a ler-se com muito agrado mas há menos mistério, ficando o livro muito preso à guerra dos cem anos e, principalmente, à Peste Negra.
Isto não impede, obviamente, que o génio de Follett esteja sempre presente, na sua escrita muito clara, fácil e objetiva.
A primeira fase deste segundo volume inicia-se com a abordagem desse enorme acontecimento político que foi o início da guerra dos 100 anos. Os exércitos ingleses invadem a França, pilhando, incendiando, roubando. Follett, inglês, não se deixa levar pelo patriotismo e é até com muito espírito crítico que nos mostra essa realidade, marcada pela afirmação dos interesses e ambições pessoais, num total desprezo pela vida humana. O cruel e ambicioso Ralph encontra nessa guerra o seu ambiente ideal. Como muitos outros… nesse como em todos os tempos, a guerra interessa aos poderosos…
O rei Eduardo III é mesmo descrito como sanguinário em impiedoso, tal como Ralph.
Uma parte do enredo situa-se em Florença, a maior cidade do mundo cristão, graças ao comércio e às manufaturas, principalmente tecidos. Mas era especialmente nas artes e numa nova mentalidade que o norte de Itália já se destacava.
A peste é vista, em parte, -como elemento de equilíbrio num mundo cheio: o excesso de população parece que fazia prever a necessidade de uma “razia” que voltasse a equilibrar pessoas e recursos. Assim, de repente, os homens vêem a morte surgir por todos os lados, intensificando a familiaridade, cada vez maior, da morte.
Um dos aspetos mais peculiares da peste negra que Follett muito bem desenvolve é o desregulamento dos costumes - da prostituição aos flagelantes, tudo parece configurar uma espécie de loucura coletiva gerada por um ambiente de Apocalipse, em que as pessoas misturam de forma estranha a vontade de viver com mais intensidade com a necessidade de uma penitência radical já que poucos duvidavam que a peste era um castigo de Deus pelos próprios pecados; era essa a contradição maior do ser humano: era levado a pecar até à exaustão ao mesmo tempo que assumia a peste como castigo.
Um aspeto que muitas vezes é negligenciado, mesmo pela historiografia: a peste negra, como acontece com todas as crises, teve o dom de despertar novas estratégias de progresso económico; muitos agricultores sobreviventes beneficiaram de um considerável subida dos salários (devido à quebra na oferta de mão de obra) mas principalmente, dá-se uma certa reconversão da agricultura, deixando, em certas zonas, os cereais de serem as colheitas mais vulgares, para dar lugar a culturas inovadoras, como as plantas tintureiras, que ajudariam ao crescimento notável do setor secundário no séc. XV, contribuindo assim de forma direta para a afirmação do movimento renascentista. Na história como na vida, as crises podem ser oportunidades de crescimento.
E o livro termina com uma mensagem velada mas importantíssima: a grande crise do século XIV foi também o momento de arranque de uma nova europa. O velho senhorialismo, no entanto não estava morto; as revoltantes diferenças entre ricos e pobres não desapareceriam com os novos ventos do Renascimento; e nós, quinhentos anos depois, cá estamos para testemunhar como as injustiças persistiram…

Sinopse (in wook.pt):
Não é apenas em Espanha que Ken Follett é um autor bestseller, vendendo cerca de 575.000 exemplares em apenas três dias. Noutros países, como Itália e Alemanha o feito repete-se e por cá, em Portugal, os leitores começam a ganhar avanço e a percorrer as páginas volumosas de um autor de culto. Em O Mundo Sem Fim encontramos Follett ao seu melhor nível, nesta que é a continuação de Os Pilares da Terra, o épico histórico que vendeu 90 milhões de exemplares em todo o mundo. Devido ao seu tamanho, a Presença decidiu dividi-lo em dois volumes distanciados na publicação por um espaço de um mês.
Críticas de imprensa
«A vida medieval retratada com enorme realismo... Faz-nos sentir na pele das personagens. Follett é um grande contador de histórias e, apesar da extensão, é impossível deixar esta epopeia a meio.» 
Daily Express
«Uma narrativa para os fãs de O Rei que Foi e Um Dia Será, O Senhor dos Anéis e outras epopeias do género.»
Kirkus Reviews
«Os fãs da anterior epopeia medieval de Follett não ficarão nada desiludidos.»

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Tudo debaixo do Céu - Matilde Asensi


Comentário:
Quando, há anos, li desta autora O Último Catão, fiquei entusiasmado e este livro vem confirmar que Matilde Asenci é uma mestra do suspense. Uma magnífica contadora de estórias de aventuras, na melhor linha da literatura espanhola. Não tem uma carreira literária comparável a Reverte ou Zafón mas não fica atrás destes mestres na capacidade de criar um enredo envolvente, cheio de mistério, capaz de agarrar o leitor numa série de serões bem passados.
É claro que O Último Catão, o seu livro de maior sucesso, é mais interessante; mais misterioso e, acima de tudo, sem o grande “pecado” deste livro: demasiado preso à informação. Na verdade, o facto de toda a ação se situar na China e também devido ao nítido encanto da autora pela história e cultura chinesa, faz com que, na minha opinião, este livro caia nessa armadilha que atraiçoa muitos escritores: demasiada história e pouca estória; ou seja, um esforço tão grande por divulgar a cultura e as tradições chinesas que por vezes se torna algo maçador. Mas é por pouco tempo; depressa Asenci regressa às aventuras da pintora francesa que procura o tesouro místico nas profundezas da China dos anos 20.
Como se depreende daquilo que escrevi, a autora não escapa a alguns clichés do género. Mas o mérito de nos dar a conhecer a China tradicional não deixa de ser notável. Por exemplo. Poucos de nós saberiam que “Tudo debaixo do mundo” é o nome que os chineses antigos davam à sua terra.
Para finalizar, podemos dizer que é o livro ideal para o tempo de férias; um enredo que não nos obriga a raciocinar e onde Até nos podemos distrair um pouco da leitura porque depressa voltamos a entender o que se está a passar no enredo.

Sinopse:
Elvira, uma pintora espanhola radicada em Paris, recebe a notícia de que o seu marido morreu em Xangai, na sua casa.
Acompanhada por Fernanda, a sobrinha, parte de Marselha, de barco, com o objectivo de recuperar o cadáver.
O que não sabe é que esta viagem é o começo de uma grande aventura que nunca teria imaginado viver: pela China, perseguidas por eunucos imperiais, por sicários, em busca do túmulo do primeiro Imperador e da última peça do tesouro mais bem guardado da história da Humanidade.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Um Mundo Sem Fim - Ken Follett Vol. 1


Esta é a última das obras monumentais de Follett que ainda não constava da minha lista de livros “lidos”. Trata-se de uma espécie de continuação de Os Pilares da Terra, uma vez que a ação deste primeiro volume inicia-se em 1327 e família de Caris, protagonista da obra, é descendente de Tom Builder, padrasto de Jack Builder construtor da Catedral 200 anos antes.
Neste comentário abordo apenas o conteúdo do volume 1.
Caris parece ser o protótipo da criança inteligente, que questiona. É essa a base da inteligência e da desgraça. Na idade média e não só, mas nesse tempo de uma forma mais dramática. Ser esposa ou freira era o destino normal de qualquer mulher. Quando, em criança, afirmava escolher ser doutora todos riam da infantilidade. Mas Caris viria a ser a mulher do novo mundo; do mundo de fuga ao obscurantismo.
Ao mesmo tempo, o tio, Godwyn, frade com 21 anos quer estudar em Oxford. O seu tio, Anthony responde-lhe que estudar é perigoso porque põe em causa a fé. Godwin, no entanto, não está interessado em estudar para ampliar conhecimentos mas para obter poder. E assim ele se transformará no “mau da fita” deste primeiro volume.
No que respeita à condição feminina, pouco mudou em relação a Os Pilares da Terra; já no que respeita à educação, há alguns progressos que ficaram na história com a afirmação das universidades: elas serão centros de cultura laica, ou pelo menos não tão dependente da religião, e ciências como a medicina começarão a beneficiar desse progresso. Mas eram muitos os obstáculos, um dos quais o financiamento dos estudos, que deixava as universidades e os alunos muitas vezes dependentes da igreja.
O livro dá uma ideia bastante positiva da Igreja inglesa do século XIV, tendencialmente mais moderna, mais aberta, do que a da “velha Europa”. No entanto, o conservadorismo surge como um recurso de personagens oportunistas que nele se refugiam para, com os seus argumentos retóricos fazerem prevalecer as suas opiniões e assim materializarem as suas ambições pessoais.
Um dos aspetos em que o livro mais brilha é na forma clara, correta e mesmo divertida com que nos traça o quadro mental, social e económico daquela época.

A cidade imaginária de Kingsbridge vive da produção e transformação da lã. É inegável a importância da lã inglesa na economia europeia, ainda 300 anos antes da revolução industrial. Os têxteis eram em grande parte responsáveis pela prosperidade inglesa, em contraste com uma Europa continental ainda demasiado feudal. Da mesma forma eram importantes as guildas como forma de proteger os artesãos ingleses; elas representam uma espécie de protecionismo, algo estranho mas eficaz, no contexto proto capitalista da época. No entanto, Follett mostra-nos bem como esse protecionismo pode ser prejudicial. Ontem como hoje…
Ao mesmo tempo, para trilhar os caminhos da modernidade e da liberdade, Follett leva-nos a assistir ao renascimento dos burgos (cidades) que, com os seus cidadãos livres (burgueses) contribuem decisivamente para a centralização do poder real. Assiste-se em Inglaterra a uma espécie de aliança entre povo (mais concretamente burguesia) e o rei, o que muito contribuiu para o fim dos laços de dependência pessoal.
Todo este contexto testemunha uma coisa: há mudanças profundas antes do Renascimento! Esta fase final da Idade Média é tão revolucionária como os tempos de Da Vinci.
Merthin é o prenúncio do homem renascentista. Em Inglaterra! … por oposição a  Elfric, sempre fiel à tradição. Interessante perspetiva de um pormenor que muitas vezes é desconhecido: é precisamente no final da Idade Média que as casas passam a ter compartimentos, anunciando um novo conceito de privacidade e, consequentemente, um novo conceito de moral privada. É importante reter que tal mudança não se deve atribuir ao renascimento, com a sua moral individualista e burguesa, mas sim a uma espécie de pré-renascimento medieval que Follett interpreta na perfeição.
Ralph simboliza o cavaleiro medieval, corajoso por obrigação e oportunista por natureza.
Caris é a mulher inteligente, logo, a bruxa. Mas o advento do renascimento talvez não altere significativamente essa situação.
E o esclarecimento de uma dúvida que existe na mente de muitos de nós: como começar a construir os pilares de uma ponte, tendo em conta que o rio pode ter vários metros de profundidade? Follett responde, também, a isso.

Mais uma vez, Follett traduz-se por Fabuloso.

Sinopse (in Wook.pt)
À semelhança de Os Pilares da Terra Ken Follett volta ao registo do romance histórico, numa obra dividida em duas partes graças às quase mil páginas que a compõem. A Presença publica agora o primeiro volume de Um Mundo Sem Fim, que se prevê repetir o sucesso de Os Pilares da Terra. O autor sentiu-se bastante motivado a escrever este novo livro já que desde Os Pilares da Terra, publicado em 1989, os leitores de todo o mundo clamavam insistentemente por uma sequela. Finalmente Follett inspirado e com coragem e determinação, sem esquecer uma enorme dedicação, lançou-se na escrita de Um Mundo Sem Fim, a continuação de Os Pilares da Terra, onde recorre a elementos comuns do primeiro livro e dá vida a descendentes de algumas personagens. Recuperando a mesma cidade Kingsbridge, o cenário é ambientado dois séculos mais tarde onde nos transporta até 1327. Aí iremos ao encontro de quatro crianças que presenciam a morte de dois homens por um cavaleiro. Três delas fogem com medo, ao passo que uma se mantém no local e ajuda o cavaleiro ferido a recompor-se e a esconder uma carta que contém informação secreta que não pode ser revelada enquanto ele for vivo. Estas crianças quando chegam à idade adulta viverão sempre na sombra daquelas mortes inexplicáveis que presenciaram naquele dia fatídico. Uma obra de fôlego com a marca assinalável e absolutamente incontornável de Ken Follett.

terça-feira, 14 de julho de 2015

O meu Deus é um Deus ferido - Tomás Halík

Comentário:
E agora, algo de completamente novo neste blogue. Este livro não é um romance, não é ficção, nem biografia ou ensaio científico. Ou seja, é de um género que nunca tinha tido lugar neste espaço: o pensamento religioso. 
Tratando-se de um livro de teologia, devo dizer desde já que não sou absolutamente ninguém para comentar ou avaliar este livro. Não reconheço a mim próprio qualquer competência na matéria, pelo que o meu comentário será apenas o do cidadão comum que lê e reflete sobre a fé e sobre a vida. Sim, porque por mais voltas que demos, nunca conseguiremos negar que a fé e o pensamento religioso fazem parte da vida de TODOS nós.
Para a maioria dos católicos Deus é uma entidade distante, sem corpo nem imagem. Assim sendo, é Jesus Cristo que assume essa imagem de Deus. Ele é mais do que um intermediário entre Deus e os homens; ele transmite aos homens uma ideia de Bem, de paz, de positividade.  
No entanto não há cristão que não se tenha já deparado com a dúvida. E a dúvida, muitas vezes, nasce desta reação ao sofrimento: “onde está Deus e como é possível que ele permita este mal ou este sofrimento?” A tentativa de resposta a esta questão constitui o âmago deste livro.
Ao contrário daquilo que algum senso comum pretende, este Cristo que sofre uma tortura desumana não é o filho de um Deus impotente ou então egoísta, incapaz de derrotar o mal; pelo contrário, é um Deus que sofre por causa do mal que os homens criaram.
Na tese do autor, Jesus Cristo, no seu sofrimento e na sua dor, transporta consigo o mal e a dor da humanidade. Ele sofre com os homens e como os homens quando depara com o mal causador de sofrimento. A mensagem de Cristo crucificado é precisamente essa: um deus humanizado, humilde, que compartilha a dúvida com o comum dos mortais: “Meu Deus, porque me abandonaste?”
Este livro constitui também uma enorme declaração de humildade: a morte de Deus, essa tese que tanto encantou o pensamento ocidental a partir de Nietzsche, está também ela patente no sofrimento de Cristo – quando Ele pergunta porque foi abandonado, ele penetra no inferno; ele duvida e assim experimenta a morte de Deus; neste sentido a própria fé de Cristo é morta e ressuscitada; é crítica e indagadora. A dúvida passa a fazer parte da fé – é aí, talvez, que o pensamento religioso se aproxima do pensamento científico: também ele parte da dúvida para alcançar a verdade - ter dúvidas é um importante passo para o progresso.

Estamos perante um Deus inteligente e humano, num livro inteligente e humano. Se repito estes dois adjetivos é porque eles exprimem aquilo que os críticos mais acusam a igreja de desprezar: a inteligência e o humanismo.
Neste livro sentimos muito mais dor que prazer, porque essa dor, esse sofrimento, são próprios de Cristo. E do homem. Se a dor faz parte da vida, do mundo e dos homens, então Deus está na dor. Porque:
“O Deus em que acreditamos não está por detrás da realidade, antes é a profundeza da realidade, o seu mistério, é a realidade da realidade”.  (pág. 80)
Este é o grande equívoco do ateu: ele nunca encontrará Deus por trás da realidade, escondido atrás de um arbusto manipulando a realidade, porque Deus é o Universo, o mundo, os mares e os continentes, é toda a beleza e toda a dor que nos rodeia.
A partir de certa altura também o livro se liberta do Deus/homem sofredor para nos apresentar um Cristo jovial, um “Deus que dança”, o Deus da alegria pascal. É precisamente este Deus jovial que deve presidir à nossa relação com os outros. Só evitando responder ao mal com o mal poderemos construir um mundo melhor:
“Não podemos ajudar a violência e a maldade a obter a vitória, deixando que elas nos arrastem para o seu campo, nos piquem com o veneno do ódio” (pág.117)

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Ficou tanto por dizer - Fernando Guerreiro


As grandes surpresas às vezes chegam em embrulhos pequenos. Um amigo disse-me que me enviaria pelo correio um livro de que gostara muito. Aguardei, sempre com receio porque a caixa de correio é pequena e o carteiro nem sempre consegue encaixar lá um livro. Mas passados uns dias qual não foi a minha surpresa quando dou com um pequeníssimo volume de papel pardo atado com uma fina corda, em estilo bem artesanal! 
Ficou Tanto Por Dizer é um livro um pouco maior do que a palma de uma mão, contento pouco mais de uma centena de microcontos, do escritor Fernando Guerreiro. 
Obviamente não é uma obra de génio, nem pretende sê-lo. Mas é uma pequena obra cheia de criatividade, de engenho, de algum humor e muita sensibilidade. Cada microconto não ocupa mais do que uma micropágina. Por vezes são apenas duas ou três linhas, mas encerram sempre algo de significativo que o autor nos quer transmitir.
Por exemplo:
…uma sensibilidade ingénua mas com o seu quê de romantismo de praia deserta:
“Foi até à praia e afogou 
as mágoas no mar.
depois, abriu os braços,
abraçou   o sol e nunca
mais os seus dias
foram pintados de negro.!”
…um discreto e encantador romantismo no período de digestão:
“Depois de jantar, ficaram
 sentados a frente a frente
 sem dizerem uma única 
palavra. Ele escutou 
atentamente o silêncio 
e nesse momento 
entendeu, finalmente, 
tudo o que ela tinha para 
lhe dizer.”
…um humor fino e colegial:
Visão
“Sempre foi um visionário. 
Já na escola, quando 
os professores faziam 
a chamada, enquanto 
os colegas diziam 
presente, ele gritava 
futuro.”
…um cheirinho a lição de aritmética com um toque de comédia rural:
Três
“Havia um que a abafava.
Outro havia com o qual 
desabafava. Passado 
pouco tempo, com 
o segundo ela arfava
e ao primeiro mandou-o 
à fava.”
… e até um guia (ou manual de instruções) se o leitor for candidato a poeta. Ou bombeiro. Ou técnico do INEM:
Aproveitamento
“Ela era um pedaço de mau
caminho e ele era um
condutor inexperiente. 
O acidente não foi nada
de inesperado. No meio
dos destroços ainda
se aproveitaram algumas
peças para os corações
que vieram a seguir.”

Em suma, um livro descontraído, que pode ser divertido se assim o entendermos e pode ser sério se nele quisermos encontrar umas mensagenzinhas sérias e suficientemente profundas, que acompanharão bem uma estafante sessão de sala de espera do dentista.

Tudo sobre o livro, incluindo contactos e encomendas em  www.microcontos.pt

sábado, 4 de julho de 2015

O Rei do Volfrâmio - Miguel Miranda

Comentário:
Este livro deixou-me com impressões contraditórias; gostei da capa, apelativa e nostálgica, gostei do subtítulo (A última viagem, com todo o requinte), poético e ao mesmo tempo bem-humorado, uma vez que revela uma referência a uma agência funerária, que está próxima do centro da ação. Gostei ainda e principalmente do estilo do escritor, que eu não conhecia; um estilo direto, bastante visual, fácil e atrativo. Gostei de algumas imagens, como a da referida agência funerária, a dar o toque trágico-cómico bem enquadrado com o regime político e a vida social daqueles tempos. Gostei, da contextualização política e social: os quadros sociais são bem delineados, os cenários bem construídos e todo o contexto da ditadura é fiel à verdade histórica.
No entanto, houve algumas coisas que me dececionaram e é difícil falar disso tendo em conta as qualidades que acabei de enumerar. Acima de tudo, esperava mais, em quantidade de informação. Escolhi este livro para ler porque me interessa bastante o assunto: as negociatas escuras do regime fascista de Salazar com a Alemanha Nazi no que respeita à venda de volfrâmio. É que com esse volfrâmio seriam fabricadas muitas armas e munições assassinas enquanto o nosso ditador procurava sair da guerra com o “mérito” da falsa neutralidade. Mas o livro acaba por ter pouco volfrâmio, para minha deceção; o autor constrói diversos cenários, em dois tempos narrativos, mas desmultiplica esses tempos em contextos diversos, dando à obra um aspeto de mosaico que me desagradou por fugir ao tema central.
Mesmo assim é sem dúvida um autor que merece ser mais conhecido e um livro que merece ser lido. O sentido de humor é muitas vezes refinado e eficaz, se bem que outras vezes algo forçado. 
Deixo para o fim o aspeto que considero mais bem-sucedido no livro: o rigor com que são retratados os diversos tipos sociais; o autor revela um conhecimento bem seguro dos quadros sociais das épocas descritas e consegue com um notável à-vontade, descrever os diversos “bonecos” que correspondem a esses tipos.

Sinopse (in www.wook.pt)
Na primeira metade do século XX, o mundo foi flagelado por guerras sucessivas, que causaram milhões de mortos, destruição e sofrimento. Houve também quem prosperasse com o esforço bélico, como os volframistas. Portugal foi um dos principais exportadores de volfrâmio, durante a Guerra Civil de Espanha e a Segunda Guerra Mundial.
O enriquecimento súbito dos volframistas e a sua queda na penúria do pós-guerra são motivo para uma tese de doutoramento do investigador João de Deus. Mergulhado numa conturbada vida amorosa, investiga o passado de Petrónio Chibante, o Rei do Volfrâmio, explorador da mina Paraíso, em Vilar das Almas. O passado, convocado de forma estranha pela alma de Serafina Amásio, antes de abandonar o corpo, cruza-se com o presente, revivendo amores e desamores de cada época, no lugar recôndito de Vilar e por esse mundo fora.
O Rei do Volfrâmio é a saga de um país e das suas almas, vivendo de um passado faustoso e iluminado, sem canalizar forças para o futuro. É uma reflexão sobre a diáspora e as gerações de novos párias.
É também uma ode ao amor, nas suas mais diversas e estranhas formas. É ainda uma elegia aos que das fraquezas fizeram forças, em nome da razão.