sábado, 25 de abril de 2015

Por uma nova Esperança


Havia cheiro a pólvora e miséria.
O Monstro fedia  a mofo e berrava por sangue.
E os homens, trémulos, a medo calavam as mágoas, as dores de uma pátria castrada, amordaçada, pisada pelas botas pétreas de dinossauros cinzentos, medonhos.
No ar pairava o cheiro a guerra, o pesadelo de corpos despedaçados que chegavam repartidos por caixões anónimos, revestidos a chumbo, e um povo que chorava de raiva, de fome e miséria.
E pairando acima de tudo isto, para lá das nuvens venenosas do vulcão fascista, uns quantos eleitos do regime continuavam a rugir, receosos do poder do povo mas vomitando raiva.
E tantos anos depois ainda ouvimos os ecos desse rugir, dessas barrigas poderosas alimentadas pela miséria do povo.
Quarenta e um anos depois são novos os fantasmas salazarentos. Vêm agora disfarçados de banqueiros, magnatas dos mercados e políticos de ocasião, paus-mandados e patos bravos sequiosos de sangue. São os novos vampiros, ó Zéca!
Portanto, façamos de novo Abril! Deixemos voar a gaivota! Ressuscitemos a Esperança! E enterremos esse bafio salazarento que por aí ainda nos obrigam a respirar.
Abril Sempre!

sexta-feira, 24 de abril de 2015

O Terceiro Gémeo - Ken Follett

Ken Follett é um chato no bom sentido. Basta pegar num livro dele, de preferência um destes com largas centenas de páginas e temos noites mal dormidas asseguradas. Não que nos provoque pesadelos; pode até acontecer mas não é a isso que me refiro; é que livros como este não se largam facilmente; eles resistem colados à nossa mão enquanto o relógio avança na noite e a mesa de cabeceira ali, à espera que o livro vá ter com ela. Mas quando finalmente o livro regressa à mesinha, já leva o marcador de páginas bem lá para a frente e já uns raios de luz espreitam pela persiana mal fechada.
É assim Follett, empolgante!
Neste livro, que até nem tem um ritmo narrativo muito grande, o mistério não abandona o leitor do princípio ao fim; e cada vez mais me convenço que um dos maiores méritos deste génio literário é o fato de nunca ter prosa em demasia; a sua economia de escrita é excelente, fazendo com que tudo o que lá está nos pareça essencial e não careça de grande esforço de leitura.
O enredo deste livro passa-se, ao contrário do habitual em Follett, nos EUA. E atrevo-me a dizer que Follett não deve ter feito muitos amigos em terras do Tio Sam. É que muitos dos aspetos aqui desenvolvidos surgem numa perspetiva bastante crítica em relação aos ”States”: um sistema universitário corroído pelos interesses económicos, um sistema de saúde minado pela corrupção e pelo capitalismo selvagem; um sistema prisional muito falível; uma polícia muito pouco simpática e muitas vezes violenta e avessa a regras; uma comunicação social ávida de escândalos e uma sociedade cheia de preconceitos. 
Quanto à temática, aparentemente ela centra-se no atual tema da clonagem mas na verdade radica em algo mais profundo: na ameaça de controlo da genética pelos poderes económico e político, que podem constituir uma grave ameaça ao futuro de uma humanidade livre.
Finalmente, uma curiosidade: a certa altura do livro o leitor dá conta, surpreso, de que a chave do enigma está no título! Mas depressa se desengana; a questão está muito para lá de um terceiro gémeo.
Enfim, mais um livro excelente deste galês que não deixa de me surpreender. Não que estes policiais do início da sua carreira sejam geniais; não são pérolas literárias, mas são terrivelmente capazes de nos entreter e divertir. E que melhor podemos esperar dos livros?

Sinopse (in www.wook.pt)
A cientista Jeannie Ferrami, especialista em gémeos e nos componentes genéticos da agressão, faz uma descoberta espantosa. Recorrendo a um banco de dados do FBI, descobre dois homens que parecem ser gémeos verdadeiros: Steve, estudante de direito, e Dennis, assassino condenado. No entanto, nasceram em dias diferentes, de mães distintas, em hospitais separados por centenas de quilómetros.
Que segredo terá ela desvendado? Poderá confiar no seu chefe e mentor, ou terá de pôr a sua vida nas mãos de Steve Logan, o gémeo por quem se apaixona, apesar de ele estar envolto em intriga e suspeita? Uma coisa é certa: não há nada que faça certas pessoas deixar de conspirar na sombra…

domingo, 19 de abril de 2015

Gunter Grass partiu e nós continuamos a tocar tambor


Na semana que hoje termina faleceu um grande escritor; um génio chamado Gunter Grass.
Infelizmente, só li um livro dele, pelo que não sou a pessoa ideal para fazer grandes considerações em torno da sua obra. Mesmo assim, atrevo-me a dizer algo que me parece vir bem a propósito.
Li O Tambor (O Tambor de Lata no Brasil) há alguns anos. Se bem me recordo, o livro conta a estória de um jovem de nome Óscar, em plena segunda guerra mundial. A mensagem que me ficou do livro, ainda que vista à distância de vários anos, foi esta: Hitler tentava arrasar a Europa, chacinava os judeus, ambicionava dominar o mundo, causava uma guerra que resultou em vinte e tal milhões de mortos e, enquanto isso, Óscar tocava tambor. E parecia que toda a Alemanha tocava tambor enquanto Hitler e seus pares cometiam as maiores atrocidades.
A ideia que me fica hoje é que, no ano em que Gunter Grass nos deixou, muitos de nós continuam a tocar tambor…
É por isso que a Literatura é uma grande arte: há sempre atualidade nos grandes mestres, mesmo depois de eles nos deixarem…

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Um Gladiador só Morre Uma Vez - Steven Saylor

Comentário:
Cá estou eu, de volta ao mestre da ficção, histórica, no que a Roma Antiga diz respeito.
Este é o segundo dos livros da coleção Roma Sub-Rosa em formato de contos. Começando pelo lado menos positivo, devo dizer que este conjunto de contos me pareceu menos rico e interessante que os do outro volume, A Casa das Vestais. Estes contos pareceram-me um pouco mais previsíveis, com enredos e desfechos por vezes um pouco forçados.
Mesmo assim, prevalece o enorme taleto do autor para a narrativa de ficção histórica. Em cada um dos contos há um aspeto da realidade romana antiga a ser desenvolvido. Todas as narrativas se situam, tal como acontece com todos os sete livros da coleção, na fase final da república romana, mais exatamente desde a ditadura de Sila à fase dos triunviratos que precedem a inauguração do sistema imperial por Octávio Augusto.
Os contos do presente volume abordam temáticas por vezes muito interessantes sobre o quotidiano de Roma antiga: em A Mulher do Cônsul, uma interessante história sobre o consulado de Décimo Bruto, Saylor dá-nos uma novidade incrível: embora os jornais diários tenham sido inventados na época contemporânea (salvo erro século XIX), em Roma ano séc. I a. C. já existia um diário: as Actas do Dia era uma espécie de jornal mural que se afixava diariamente em Roma e onde não faltavam as coscuvilhices, tão do agrado dos romanos e as não menos apetecíveis notícias desportivas. 
Um dos aspetos mais interessantes é a abordagem dessas grandes ameaças à Republica Romana e que, em parte, explicam o advento do sistema imperial: a ameaça de Mitridates do Ponto no Oriente do Império e o “reino” de Sertório na nossa Península Ibérica. Ambos ambicionavam derrotar Roma mas o assassínio de Sertório e a derrota de Mitridates às mãos de Lúculo e Pompeu, permitiram a sobrevivência desse grandioso e brilhante império que dois mil anos depois ainda encanta a nossa imaginação.
Os contos mais interessantes deste volume são, a meu ver, aquele que dá título ao livro e o último, As Cerejas de Lúculo. Em Um Gladiador só Morre Uma Vez dá-se a conhecer a incrível vida dos gladiadores, alguns deles lutadores profissionais e a maioria escravos obrigados a lutar até à morte. Este prazer que os romanos encontravam na violência é o aspeto mais sórdido e mesmo bárbaro deste povo brilhante. Mas nem todos apreciavam as lutas; um dos seus opositores é o brilhante Cícero que mais uma vez, neste livro, é retratado de uma forma muito mais positiva do que o fez a historiografia: menos austero, menos vaidoso e até com algum sentido de humor. 
O conto As Cerejas de Lúculo é uma interessante narrativa sobre esse magnífico fruto que os romanos foram buscar ao Ponto (reino oriental situado sensivelmente no norte da atual Turquia) e que depressa se espalhou pela Europa. Neste conto deparamos com duas interessantes e importantes figuras históricas da república romana: Lúculo, que iniciou a pacificação do Médio Oriente e se tornou cônsul em Roma e o austero Catão. Trata-se de uma estória notável com interessantes implicações filosóficas a propósito da natureza do conhecimento humano, um tema que como se sabe muito preocupava os intelectuais da época.
Sinopse (IN WWW.WOOK.PT)
Estas novas aventuras de Gordiano, o Descobridor, cobrem a fase inicial da brilhante carreira do detective em plena Roma antiga, num momento em que a mulher, Bethesda, era ainda sua escrava, e o filho, Eco, um rapazinho mudo, oferecendo aos seus fãs a possibilidade de assistir ao crescimento importantes relações pessoais e políticas, incluindo a de Gordiano com o legendário orador Cícero.

terça-feira, 14 de abril de 2015

O Estilete Assassino - Ken Follett


Comentário:
Empolgante. É este o único adjetivo que acho aplicável a este livro. Talvez Genial não destoe…
Na verdade, este senhor proveniente das verdes terras de Gales, esse belíssimo cantinho de sua Majestade, é um génio impar na arte de escrever estórias emocionantes, cativantes. Ele escreveu este livro com 28 anos, ainda muito longe da genialidade de Os Pilares da Terra ou da Trilogia do Século. Mas quem lê este livro dificilmente vaticina que teria sido escrito por um jovem de 28 anos. Trata-se de um tríler magnífico, com emoção do princípio ao fim, um daqueles livros que mau grado as quase 400 páginas não nos deixa dormir sossegados enquanto não terminamos. O ritmo narrativo é perfeito, não há descrições desnecessárias, a linguagem é clara e cativante e, acima de tudo, a emoção vai da primeira à última página, sem exageros nem situações forçadas. Aliás, para um autor de 28 anos é surpreendente como evita os clichés e constrói uma estória complexa sem recorrer a desfechos fáceis. Por outro lado é admirável como Follett, já nessa altura, estudava aprofundadamente os assuntos a abordar (como quase sempre de natureza histórica). Neste caso, é muito interessante e correta a forma como aborda as movimentações que conduziram ao desembarque na Normandia, movimento militar que conduziu de forma definitiva ao desfecho da segunda guerra mundial. Mas também é notável a abordagem das estratégias de espionagem e contraespionagem do referido conflito, assim como o efeito da guerra na população civil. Ou seja, como é próprio de um grande escritor, a Follett já nessa altura não escapava o drama humano como ingrediente essencial da grande literatura.
O espião alemão em Inglaterra, personagem principal desta estória, desde cedo se torna fascinante aos olhos do leitor pela forma como alia a frieza e a inteligência à ausência de sentimentos. No entanto, é esse um dos aspetos humanos mais interessantes do livro: a forma como, ao longo do enredo, o espião vai lidando com os sentimentos e as emoções que, como acontece com qualquer ser humano, rapidamente vão condicionar todas as suas ações. No entanto, os tempos eram de guerra e de horror. E todo esse ambiente negro é aqui, também, ele, bem retratado, com descrições cheias de um realismo alucinante e quase cruel para quem lê.
Mas como no melhor pano cai a nódoa, também neste livro veio a cair uma mancha bem feia que, no entanto, nada tem a ver com o autor. Tem a ver, isso sim, com o velho e irritante vício bem português de adulterar por completo os títulos originais. Este livro, no original, foi intitulado como “Eye of de Needle”. Needle, agulha, é a alcunhado nosso espião; por aqui se vê a riqueza deste título, por comparação com a quase pedante opção da edição portuguesa.

Sinopse (in www.wook.pt)
Um agente secreto de Hitler, um assassino frio e profissional com o nome de código «Agulha», vê-se envolvido na manobra de diversão dos aliados que antecede o desembarque militar em França. Estamos em 1944, a semanas do Dia D.
O Estilete Assassino é um arrebatador bestseller internacional em que o destino da guerra assenta nas mãos de um espião, do seu adversário e de uma mulher corajosa.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

A Casa dos Anjos - Collen McCullough


Comentário:
De Colleen McCullough li há muitos anos três volumes da monumental série Os Senhores de Roma e estou desejoso de lá voltar. Por outro lado tenho lido comentários excelentes a Pássaros Feridos que terei de ler em breve. Pelo meio veio-me parar às mãos este romance despretensioso da genial escritora australiana. 
É um livro que me gerou emoções contraditórias. Por um lado, é uma obra que entusiasma pela leveza do enredo, pela facilidade com que a autora transmite uma mensagem de solidariedade em relação a franjas mais desprotegidas e mesmo ostracizadas. A linguagem fluente e um humor discreto fazem da leitura um ato de prazer.
Mas, por outro lado, perpassa pelo enredo uma sensação de “dejá vú”, ou melhor de “dejá lu”. Antes de mais nada, um problema que afeta negativamente qualquer romance: o ritmo narrativo lento; embora a leitura seja agradável, ficamos sempre com a sensação que a estória se contava com menos palavras.
Basicamente, o enredo envolve uma crítica bem vincada à sociedade australiana, onde é visível a separação entre os australianos “antigos”, herdeiros da colonização inglesa e os australianos novos, produto das enormes vagas de emigração de vários países europeus. A autora deixa bem clara a crítica à mentalidade de origem protestante, com alguns traços de puritanismo, mas é ainda mais severa em relação ao extremo conservadorismo da comunidade católica.
Além disto, este livro não deixa de ser um verdadeiro manifesto feminista que, se publicado umas décadas antes teria alguma originalidade; tratando-se de um livro de 2004, penso que se esperava um pouco mais de criatividade na mensagem.

Sinopse (in www.wook.pt)
A Casa dos Anjos é uma vivenda de um bairro mal afamado de Sidney para onde vai viver a jovem Harriet Purcell. São os anos 60, Harriet tem 21 anos e não suporta o ambiente machista da sua família burguesa.
Na nova casa, Harriet entra em contacto com um mundo bizarro e cativante. Estabelece relações com os outros inquilinos, um pintor sem recursos, um emigrante alemão apaixonado por música e culinária, um casal de namoradas. Sobretudo, inicia uma amizade especial com a dona da casa, a senhora Schwartz - cartomante, vidente e médium - e com a sua filha, a pequena Flo, que é muda.
No decorrer de um ano intenso, Harriet descobre o amor, o sexo, a liberdade e a afirmação de si própria. Mas quando uma tragédia se abate sobre a casa, a jovem tem de reunir todas as suas forças para salvar Flo de um destino de solidão e dor.